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    Gabinete

    Gabinete

    GABINETE ( do fr. cabinet). Compartimento interior reservado à escrita e a funções com ela relacionadas. Bluteau, no seu Vocabulário[i], define este espaço como “aposento  particular de Príncipe ou Ministro, em que estão os papeis e em que se tratão os negócios de mayor importância”.

    O uso do gabinete parece emergir entre os finais do século XVII e inícios do século seguinte acompanhando uma maior racionalização das funções e dos programas interiores da casa senhorial. Se os gabinetes seriam mais habituais entre príncipes ou ministros, encontramos referências à existência deste compartimento, no interior da casa senhorial, ao longo do século XVIII, embora circunscrito a um círculo de altos funcionários ou membros da grande aristocracia. Como sugere Bluteau, o gabinete transparece uma função mais personalizada em contraponto com o escritório que mantém um carácter mais impessoal radicada numa tradição de sriptorium, herdada da Idade Média. Pelas suas funções, o gabinete tende, assim, a situar-se numa zona do interior da casa, entre a sequência das salas e a zona mais intima de quartos, como verificamos em várias plantas do século XVIII e dos inícios do século seguinte. Quanto ao escritório ele terá tendência a situar-se numa zona mais perto da entrada permitindo a entrada de pessoas estranhas ao ambiente familiar.

    Pela planta quinhentista do Palácio dos Duques de Bragança, em Lisboa, dois pequenos compartimentos contíguos junto à “salla” são assinalados como «Despacho» e «scriptorio». Se este último sugere um uso de funcionários da casa ocupados na elaboração e guarda de aforamentos, escrituras e documentação o “Despacho” aponta para um espaço mais personalizado constituindo ma espécie de antepassado do gabinete.

    Como verificamos numa grande maioria de casos, a nomenclatura de funções de cada compartimento não é rigorosa observando-se significativas flutuações. É o caso deuma certidão de avaliação de obras no Palácio de Xabregas realizada em 1734 que assinala a presença junto da entrada de dois compartimentos referidos como “gavinetes”, apontado o primeiro para funções de escritório ou secretaria e o segundo, de maiores proporções, para gabinete do dono da casa.

    No final do século XVIII, o gabinete parece tornar-se mais comum no interior da casa nobre. Carvalho e Negreiros na sua proposta para o programa de “casa de um nobre”[ii] coloca o gabinete como um dos espaços adstritos ao dono da casa, situado num andar intermédio de mezanino, entre uma antecamâra e a casa para a livraria. Nos inícios do século XX, uma planta de Vicenzo Mazzoneschi para dois prédios a construir na Baixa de Lisboa, vocacionados para comerciantes indica a presença em cada casa de um gabinete na sequência das salas, junto do guarda roupa e de uma alcova.

     

     

    Referências documentais

    1679 – “como estarão conformes em um gabinete, onde cada memorial, cada consulta e cada regimento é uma maçã de discórdia” in Padre António Vieira, Sermões,[iii]

    1704 – “Hum Bofete grande de pão Santo com gavetas ao redor e alguma ferragem de prata que serve na secretaria avaliados em vinte e sinco mil reiz”, Inventário dos bens do Conde de Vila Nova em Lisboa [iv]

    1733 – “e a ultima antecamara tem duas janelas para o mar, e tem huma porta para dous gavinetes pequenos que ficão por sima da cozinha para a banda dos padres de São João de Deos”, Inventário dos bens do Palácio de D. Fernando Martins Mascarenhas/ dos Condes de Óbidos, em Lisboa[v].

    1734 – “Sala vaga, hum gavinete com uma janela, outro gavinete, com duas janelas, casa grandes e principais com duas janelas, outra sala com cinco janelas), outra casa a facia da rua, com duas janelas, Outra casa e tres portais, Saleta de dona para a sala principal, Outra sala grande quatro janelas junto a esta caza de oratório, Outra salla com cinco janelas, Hum camarim com sinco janellas, Outra caza com duas janellas” Certidão de Avaliação de Obras efectuada no Palácio de Xabregas assinala [vi].  

    1747 – “Gabinete” assinalado na planta de Palácio para o Governador de Santa Catarina[vii]

    1750-60 ( c.) – “Gabinete” assinalado na planta do Palácio de D. António Rolim de Moura e situado junto da câmara de dormir na sequência da antecâmara e sala de visitas[viii]

    1777 - “a tapesaria do gabinete em que a Raynha Nossa Senhora deve receber, he tudo o que vai de mais agradável, e estou persuadido fará um grande effeito nessa corte”, Carta do embaixador D. Vicente de Sousa Coutinho datada de 1777, tratando da nova decoração dos aposentos da rainha D. Maria I, na Real Barraca da Ajuda[ix].

    1794 - Primeiros mezaninos,Palheiro, celleiro caza de arreios, quartos para criados graves pª o escudeiro para o capellão, quartos para filhos maiores, e para o dono da caza os seguintes antecâmara, gabinete, caza para a livraria, outra para archivo, outra grande para guarda roupa, e outra para despejos com chaminé”, programa para uma habitação de um nobre casado proposte por Carvalho e Negreiros [x]

    1802 – “Gabinete” Assinalado na legenda da planta de Vicenzo Mazzoneschi “para dois prédios a construir na Baixa de Lisboa”. O gabinete encontra-se na sequência da salas de visitas, junto do guarda-roupa e de uma alcova[xi].

     

    [i] BLUTEAU, Rafael, Vocabulário Portuguez e Latino…, Coimbra, Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712, vol.IV, p. G-4.

    [ii] NEGREIROS, José Manoel de Carvalho e - Aditamento ao livro intitulado Jornada pelo Tejo que foi ofº a S A Real o Príncipe Nosso Senhor que Deus guarde em o anno de 1792-1797, Lisboa. Biblioteca Nacional de Lisboa, Códice 3758-62, fol. 91.

    [iii] VIEIRA, Pr. António, Sermões, Lisboa, Off. De João da Costa, 1679, Parte III, cap.6, nº137, p.83.

    [iv] SOUSA, Maria Teresa de Andrade e – Inventário dos Bens do Conde de Vila Nova, D. Luís de Lencastre, Lisboa, Ed. Abril, 1956

    [v] TT, Arquivos Particulares: Casa de Santa Iria, Caixa 10, Doc. 111, (Instrumento dado em publica forma, de uma verba do inventário que se fez de arrecadação dos bens que ficaram por falecimento do Senhor Conde Meirinho-mor de que foi testamentário o Senhor Marquês de Gouveia, cuja verba consta da especificação e avaliação do Palácio de São João de Deus, a São Francisco de Paula, avaliado em quarenta mil cruzados, 1733, 26 Setembro).

    [vi] ARRUDA, Luísa, “O Palácio de Xabregas, do Legado de Tristão da Cunha às Grandes Obras do Século XVIII. In Claro Escuro, nº 6/7, 1991, A.M. O, Núcleo Cunhas e Mendonças, Doc. 311. ( Sertidam de avaliação de obras de 1734)

    [vii] AHU, Cartografia. Ms 1221/1224. Alçados e Planta do piso térreo da Caza do Governo, Ca. 1747, Capitania de Santa Catarina (?) 

    [viii] BNP- Iconografia, Des.202A Planta do Palácio novo feito por ordem do Ex.mo Senhor Joaquim de Mello Povoas Governador da Capitania para o Ill e Ex. mo Sr. D. António Rolim de Moura, Plenipotenciario das Demarcações da parte do Norte.c.1750-1760

    [ix] BASTOS, Celina, “A Real Barraca no sitio Nossa Senhora da Ajuda e as encomendas da Casa Real: alguns elementos para o seu estudo” in Revista de Artes Decorativas, Porto, nº1, 2007, p.218, ( Carta do embaixador D. Vicente de Soua Coutinho para o guarda-jóias João Pint da silva datada de 4 de Agosto de 1777. ANTT, Casa Real, cx. 3506. 

    [x] NEGREIROS, José Manoel de Carvalho e - Aditamento ao livro intitulado Jornada pelo Tejo…,ob. cit, fol. 91.

    [xi] Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Iconografia, album Arquitecto Costa e Silva.

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    PTCD/EAT-HAT/11229/2009

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