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    Fazenda da Piedade

    Fazenda da Piedade
    Brasil
    XVIII,XIX

    Enquadramento Urbano e Paisagístico

    A propriedade onde localiza-se a Fazenda da Piedade (atual Fazenda Santa Cecília), no município fluminense de Miguel Pereira, fica às margens do Rio Santana e paralela a uma via denominada estrada da Piedade, homônima à antiga designação dada à fazenda. Situa-se em um vale com vasta arborização, contrapondo-se aos morros outrora esgotados pelo plantio do café.

    Destaca-se no conjunto da fazenda a casa-sede, marcada pela fileira de palmeiras imperiais paralela à fachada principal, que enfatizam a simetria da construção e indicam o acesso central. O acesso à fazenda se dá pelos fundos da casa, através de um pequeno pátio.

    Morfologia e Composição

    Com linhas neoclássicas e marcada pela horizontalidade, a casa-sede possui apenas um pavimento. É composta por três seções retangulares, sendo as duas laterais de menor extensão e alinhadas entre si e a central, mais longa, deslocada à frente. A forma simétrica em três corpos arrematada pelo alpendre com frontão, que confere feições neoclássicas à construção, é resultante de transformações feitas ao longo do século XIX por sucessivas gerações da família Werneck que ali residiram. Outras intervenções foram feitas por distintos proprietários ao longo do século XX, como a galeria localizada na face posterior da casa, a retirada de um conjunto de pilares do alpendre e a reconstrução das paredes em tijolo furado.

    O telhado dos volumes central e esquerdo é composto por quatro águas. Já o volume direito abriga um pátio interno, também resultante de intervenção feita ao longo do século XX.

    Fachada Principal

    Na fachada principal, voltada a poente, a construção demonstra imponência pela simetria e grande extensão, com dez janelas no corpo central, cinco no corpo lateral esquerdo e mais quatro no corpo lateral direito. Cada corpo contem ainda uma porta de acesso, sendo a maior localizada no eixo do corpo central. Os vãos apresentam verga reta e moldura argamassada. As janelas são em madeira com bandeira em vidro. O alpendre central elevado por um conjunto de degraus que dá acesso ao patamar de entrada principal é marcado pela colunata encimada por frontão triangular.

    Fachadas Secundárias

    Nas fachadas laterais, mais estreitas, a sequência de aberturas se repete em ambos os lados do corpo central, sendo cinco janelas e uma porta em cada um. Nos corpos recuados, os vãos de esquadrias diferem em número e tamanho, apresentando inclusive pequenas janelas que servem a banheiros adicionados ao longo do século XX. Na fachada posterior, voltada para nascente, destaca-se no corpo central a extensa galeria com vãos em arco pleno, também fruto de intervenção feita no século XX.

     

    Jardins

    O ajardinamento do entorno da casa-sede é composto por extenso gramado marcado pela fileira de palmeiras imperiais paralelas à fachada principal. Nos fundos da casa, o pátio cercado por muro gradeado traz algumas flores e arbustos. Há vestígios remanescentes do terreiro e dos caminhos em pedra que conduziam ao engenho.

    Cronologia e Proprietários

    1733 – Manuel de Azevedo Matos casa-se com Antônia da Ribeira de Sousa Werneck, filha de João Berneque (Werneck), na freguesia da Candelária. O casal muda-se para Minas, retornando ao Rio de Janeiro em meados do século XVIII com a decadência da mineração, onde se estabelece na freguesia de N. S. da Conceição e São Pedro e São Paulo da Paraíba;

    1765 – Falecimento de Antônia da Ribeira de Sousa Werneck;

    1770 – Manuel de Azevedo Matos fixa-se em sesmaria obtida na freguesia de Pati do Alferes e inicia a construção da “primeira moradia”, à margem direita do Rio Sant’Ana, provavelmente concluída no ano seguinte;

    1780 – Por volta dessa data Manuel de Azevedo Matos muda-se para a margem esquerda do rio Sant’Ana, em ponto mais elevado, onde funda a Fazenda da Piedade com seu primeiro estabelecimento de aguardente. Constrói neste local uma nova casa, orientada com frente para o poente e mais protegida do que a primeira, tida historicamente como a “segunda moradia”. O acompanham seus filhos Ana de Jesus e Inácio, este com sua esposa Francisca;

    1788 – Falecimento de Manuel de Azevedo de Matos. Inácio de Sousa Werneck herda a propriedade, registrada posteriormente como Sesmaria do Padre Werneck;

    1790-1795 – Inácio promove melhoramentos na “segunda moradia”, inclusive em oratório localizado no corpo central da casa;

    1811 – Falecimento de Francisca, esposa de Inácio;

    1813 – Inácio torna-se padre e em janeiro do ano seguinte reza a primeira missa em sua Fazenda da Piedade;

    1822 – Falece o padre Inácio de Sousa Werneck na Fazenda da Piedade. A “primeira moradia” fica para seu filho mais novo, José de Sousa Werneck, que a vende ao primo Francisco Peixoto de Lacerda Brum e este a incorpora em sua Fazenda São José. A Fazenda da Piedade, que abrigava a “segunda moradia”, fica para a filha Ana Matilde Werneck, casada com o açoriano Francisco Peixoto de Lacerda;

    1848 – Falece Francisco Peixoto de Lacerda, recém viúvo. A Fazenda da Piedade fica para seu único filho, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, futuro barão de Pati do Alferes. Francisco Peixoto de Lacerda Werneck compra do primo Francisco Peixoto de Lacerda Brum a “primeira moradia” e a reincorpora às terras da Fazenda da Piedade, como no tempo de seu bisavô Manuel de Azevedo Matos;

    1853 – Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o barão de Pati do Alferes, inicia a obra de uma “terceira moradia” na Fazenda da Piedade, com feições neoclássicas e localizada no corpo central da “segunda moradia”. No mesmo ano, adquire de seu filho Luís a Fazenda de Monte Alegre, onde edifica uma nova casa-grande na qual passa a residir, deixando inconclusa a obra da “terceira moradia”;

    1861 – Falecimento do barão de Pati do Alferes. A Fazenda da Piedade passa ser administrada pela viúva, Maria Isabel de Avelar Werneck, baronesa de Pati do Alferes;

    1867 – Com o falecimento da baronesa de Pati do Alferes, a Fazenda da Piedade fica para o filho Luís Peixoto de Lacerda Werneck e sua esposa, Isabel Augusta. No mesmo ano, Luís vende a fazenda ao cunhado, o médico português Joaquim Teixeira de Castro, casado com Maria Isabel de Lacerda Werneck, futuros visconde e viscondessa de Arcozelo;

    1867 a 1870 – Período provável em que o visconde de Arcozelo termina a obra da “terceira moradia”, em feições neoclássicas, iniciada pelo barão de Pati do Alferes;

    1891 – Falecimento do visconde de Arcozelo, sendo na ocasião a “terceira moradia” da Fazenda da Piedade avaliada em dois contos de réis. A fazenda e demais bens do visconde ficam para sua viúva e filhos;

    1898 – Após herdar a Fazenda da Piedade de seu pai, o visconde de Arcozelo, Luís Werneck Teixeira de Castro a hipoteca aos primos Jaquim Ribeiro de Avelar e sua esposa Mariana Albuquerque de Avelar, proprietários da fazenda Pau Grande;

    1903 – Luís Werneck Teixeira de Castro entrega a fazenda aos credores, que a vendem no mesmo ano ao casal Francisco Santoro e Gema Storino;

    1918 – A Fazenda da Piedade é vendida ao comerciante Paulo Florentino Lèbre e sua esposa Maria Amélia do Amaral Lèbre;

    1931 – O proprietário Paulo Florentino Lèbre falece, deixando a fazenda para sua viúva e filhos, que vendem a “terceira moradia” com dez alqueires de terra a Charlote Dublinau e restauram a “primeira moradia” como nova sede da fazenda. Charlote procede com uma grande reforma na “terceira moradia” e no que havia restado da “segunda moradia”, transformando o complexo em um hotel. Para o novo programa, costrói banheiros e subdivide o antigo salão de receber em quartos. Na fachada principal retira duas colunas e eleva o piso do pórtico central. Por divergências entre sócios o complexo hoteleiro é abandonado durante a Segunda Guerra Mundial, ruindo-se parcialmente os telhados e as paredes de taipa e sendo desmanchados o engenho, a antiga senzala e parte do terreiro que havia sido pavimentado na época da baronesa de Pati;

    1945 c. – Após a Segunda Guerra, a fazenda é vendida ao industrial Cecil Devis, que a restaura e introduz novas alterações. Altera a frontaria, retirando pilastras que haviam de duas em duas janelas, bem como substitui os remanescentes da “segunda moradia” por alas idênticas ao corpo central que havia modificado, edificando-as em tijolos furados. Adiciona a galeria e o muro gradeado na parte posterior da casa;

    1980c. – A partir da década de 1980 é denominada Fazenda Santa Cecília, tendo como proprietário José Aparecido;

    1986 – Oscar Niemeyer projeta a capela de Santa Cecília, que é implantada no gramado, em frente à ala esquerda da casa-sede;

    2004 – A filha de José Aparecido, Maria Cecília Aparecido assume os cuidados da fazenda, abrindo para visitação e posteriormente transformando o local em um hotel-fazenda.

    Documentação

    Sobre a “primeira moradia”, à margem direita do rio Sant’Ana:

    “Abriram [...] a cova para os alicerces de pedra seca e das ‘pedras dos ângulos’, da casa definitiva em cujos furos, de cerca de dez centímetros de profundidade, inseriram um dos extremos dos esteios de maçaranduba, suportes do telhado. Grossas paredes externas principais da caixa, envolvem os esteios, em número de quatro para as duas tesouras, no processo de taipa de pilão.

    O madeiramento do telhado foi montado e ajustado no terreno e, mais tarde, desmontado e remontado sobre as quatro paredes mestras da caixa, com as tesouras apoiadas nos quatro esteios. As internas surgiram após, com o frontal também palmeado de barro no traçado da taquara entre os freixais, sobre os assoalhos colocados por cima de barrotes e servindo a mais de um quarto, por baixo das paredes divisórias. E, aos poucos, a casa tomou o formato desejado. A cobertura é de telha de canal de 15 cm; os postigos, de duas folhas de madeira em caixa, fechando os vãos das esquadrias de verga reta das janelas; e, por fim, as portas, Um puxado na frente, dando para o Norte e outros dois de cada lado, ampliam a área coberta. Nenhum do lado do fundo, defronte da curva do Santana e para o Sul, onde ficam os quartos com janela de peitoril e que, com a inclinação do terreno, se situam na altura de um segundo andar. A casa, em sua maior extensão, foi orientada no sentido do vale, talvez para poupá-la dos grandes vendavais de março a agosto, pelo descampado em que fica. No fundo, a tesoura termina com a parede da caixa da casa e o telhado com beiral de entablamento inclinado. [...] A casa é do tipo patriarcal rural agrário ou pastoril, com os cômodos em volta do salão.

    Manuel de Azevedo Matos construiu-a, como os primeiros fazendeiros, com os cômodos situados em andar térreo incompleto e porão parcialmente encravado na encosta da colina.” (PONDÉ, 1980, p. 85-86).

     

    Sobre a “segunda moradia”, à margem esquerda do rio Sant’Ana:

    “[...] foi também levantada, como a primeira, com paredes externas de taipa de pilão e internas de pau-a-pique, emboçadas e caiadas, formando quadrilátero funcional, como era de uso. Com três corpos – um grande central e dois laterais menores, recuados da profundidade do maior. Telhado de quatro águas com esteios de maçaranduba e cunhais de cantaria aparente, com base engrossada por emboço. Fachada com portais e esquadrias retas de madeira e vazios fechados com postigos e portas de madeira em caixa de duas folhas. Dessa moradia, em 1931, restavam apenas os dois corpos laterais com os mesmos riscos e plantas originais. O corpo central havia sido totalmente substituído por outro de estilo neo-clássico iniciado pelo barão de Pati do Alferes e terminado, posteriormente, pelo futuro visconde de Arcozelo (possivelmente entre 1867 e 1870).” (PONDÉ, 1980, p. 89-90)

     

    Sobre a “terceira moradia”:

    “A ‘terceira moradia’ da Fazenda da Piedade ainda apresentava, em 1945, corpo central em estilo neoclássico, com pórtico também central arrematado por frontão triangular de tímpano liso, com quatro colunas na frente, de base quadrada e tijolo aparente, e duas junto à fachada, sustentando telhado de duas águas e formando o pórtico. Na frontaria, quatorze janelas com pilastra de tijolo também aparente separando-as de duas em duas. As janelas eram divididas em duas partes: a superior envidraçada e a inferior formada por duas folhas em veneziana de madeira. Telhado do corpo da casa de quatro águas, portas internas almofadadas com bandeira de vidraça, e teto de madeira, exceto na sala de jantar, de estuque de taquara. Entrava-se pelo pórtico e depois, por porta larga de duas folhas almofadadas, atingia-se o vestíbulo lajeado de placas de mármore preto e branco formando desenho. O resto dos cômodos, assoalhado com tábua larga. O vestíbulo dava para o oratório e nele fora entronizada a bela imagem de N. S. da Piedade, mandada vir da Europa pelo Padre Werneck e diante da qual rezara sua primeira missa. O oratório era mais que isso: uma pequena capela com duas sacristias laterais. A da esquerda, mobiliada com cômoda de jacarandá de quatro gavetas para guardar os paramentos; a da direita destinava-se à família rezar a missa; com duas portas largas para a capela e grade de madeira. Os convidados ficavam no pequeno adro e vestíbulo. Os escravos amontoavam-se no pórtico.

    [...] o ambiente familiar era constituído pela sala de jantar, quartos-alcovas e quartos dando para fora; copa-cozinha com dispensa ocupando o corpo lateral direito [...], de terra batida e fogão central de lenha encostado na parede por um dos extremos. A sala de costura, ou sala de refeições íntimas, dava para a sala de jantar por porta larga envidraçada, ladeada por dois armários embutidos na parede com porta envidraçada do meio para cima. A sala de jantar, como todos os cômodos internos, exceto o vestíbulo, de assoalho de largas tábuas corridas. Do lado da varanda interna, a parede abria-se em duas portas envidraçadas nos extremos, ladeando duas janelas de guilhotina envidraçada: o lado oposto à sala de costura dava para o jardim por meio de porta envidraçada do meio para cima e janela de guilhotina envidraçada. O vestíbulo conduzia ao oratório por larga porta de madeira almofadada com bandeira de vidro, tendo de cada lado duas pequenas alcovas que serviam de farmácia e outra maior de pequeno depósito. Do lado direito, dirigia-se para pequeno escritório com janela externa para a frontaria e para pequena saleta dando para a sala de jantar e para dois quartos externos, Do outro lado do vestíbulo, duas portas conduziam para o salão de receber, com quatro janelas de frente e duas alcovas de fundo; no lado esquerdo do salão, duas portas abriam para dois quartos com janela para o exterior. Entre os dois quartos, pequena saleta.” (PONDÉ, 1980, p. 105-108).

     

    Atualmente a fazenda apresenta uma planta distinta da terceira moradia, com o acréscimo de alas que correspondem ao seu atual uso como hotel. Mantém, entretanto, as proporções simétricas da fachada e preserva a similiridade com as formas que apresentava ao final do século XIX.

     

     

    Bibliografia

    INEPAC. Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense. Rio de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008-2010.

    PATI DO ALFERES, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, Barão de. Memória sobre a fundação de uma fazenda na província do Rio de Janeiro. Introdução: Eduardo Silva. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; Brasília: Senado Federal, 1985. 

    PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo. A Fazenda da Piedade - A Fazenda do Barão de Pati do Alferes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Brasília; Rio de Janeiro, n. 327, p. 83-155, abr./jun.1980. 

    SILVA, Eduardo. Barões e Escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

     

     

    [Coordenação: Ana Pessoa (FCRB) / Pesquisa, texto e edição de imagens: Francesca Martinelli (PCTCC/FCRB) / Biografia proprietários: Louhana Oliveira (PIBIC/FCRB) / Plantas arquitetônicas: Sávia Pontes Paz (PIBIC/FCRB).]

     

     

     

     

     

     

     

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    PTCD/EAT-HAT/11229/2009

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