Apresentação
Nos seus atributos essenciais, a casa de jantar da casa indo-portuguesa estrutura-se como um longuíssimo compartimento, com um comprimento de quatro vezes maior que a largura, sem paralelo, em Portugal, onde a casa de jantar é um fenómeno tardio do século XVIII e não manifesta estas características. Além da sua peculiar proporção este espaço tende assumir-se como elemento estruturante dos programas interiores funcionando como espaço charneira entre as zonas mais sociais da casa e as zonas de cozinha e serviços. Na sua estrutura peculiar, a casa de jantar emerge como uma das características mais originais da casa indo-portuguesa, constituindo um legado da cultura indiana, onde a alimentação e a pureza de sangue assumiam uma forte importância nos rituais das grandes famílias.
O vasary na casa hindu
Localizado no interior da casa, o vasary tem na cultura hindú, uma particular importância relacionada com o sistema de castas e a purificação do sangue. O ritual das refeições na tradição hindu e sobretudo na casta brâmane determinava desde a sua origem um espaço específico na casa, com proporções e regras definidas com severo rigor.
Localizado no interior da casa e em relação com o pátio, o vasary estrutura-se com zona de charneira entre as zonas mais sociais e os espaços de serviços, caso da cozinha e arrumos. O caracter sagrado deste compartimento determina que num dos extremos deste espaço se localize um altar ou pequeno templo dedicado aos antepassados. Quanto à estrutura, estreita e comprida, que este espaço adquire de forma sistemática, parece decorrer directamente do hábito das refeições se processarem segundo uma longa fila. Ainda hoje a tradução da expressão portuguesa de sentar á mesa, corresponde em concanim a comer em linha [1].
Fig. 1, 2 –Planta e pormenor pátio do Palácio Mamai Kamat, em Pangim. Fig. 3-4 Planta e pormenor do pátio da Casa Sinai Quirtoni em Margão. Fig. 5-6 Casa Bramane em Manghesh
[1] Feio, Mariano. As Castas Hindus de Goa.Liboa.1979. Pag.37
O vasary na casa indo-portuguesa
A importância deste espaço na tradição hindú irá determinar a sua permanência sistemática nas grandes casas indo-portuguesas sem excepção até aos nossos dias. Se em muitos exemplos do séc. XVIII e XIX de casas edificadas por brâmanes e chardós muitas das suas estruturas se alteram ou desaparecem, o vasary permanece inalterável, como elemento fundamental e caracterizador da casa indo-portuguesa.
O carácter sagrado desta dependência faz situar, muitas vezes, o altar no topo desta sala, caso que encontramos mais tarde em casas de brâmanes católicos como os Mirandas de Loutoulim ou os Cabrais de Nagoa.
Fig. 1 - Casa Figueiredo, Lotulim, Fig. 2 - Casa Rosário Miranda, Lotulim, Fig. 3 - Casa Bragança Pereira, Chandor Fig. 4 - Casa Meneses Bragança, Chandor. Fig. 5 - Casa Araujo Alvares, Lotulim
Tipologias e variantes
Nas suas expressões espaciais observamos da casa indo-portuguesa a formação de duas tipologias de espaço no seu programa distributivo. Uma primeira tende a organizar-se perpendicularmente à fachada principal estruturando-se como um longo compartimento que acaba por ligar num dos topos as salas de recepção e no topo oposto a zonas de cozinha e serviços. Sendo a casa indo-portuguesa localizada junto da fachada principal com ao fundo e em oposição ligando, por sua vez, a zona de serviços e de cozinha.
Vasary perpendicular à fachada principal
Casa Meneses Bragança, Chandor
O espaço da sala de jantar estende-se da fachada principal ao tardoz, abrangendo toda a extensão do alçado poente da casa. As varias janelas a poente apresenta-se viradas para o exterior, enquanto no lado oposto, a nascente, as portas existentes unem longitudinalmente todas as salas da área de recepção (galeria sul, salão de baile, quarto) e galeria norte.
Casa Bragança Pereira, Chandor
Nesta casa a sala de jantar desenvolve-se num longo compartimento no centro da casa que, pelas suas dimensões e localização articula as diferentes zonas da casa. Por esta razão, as janelas estão articuladas com vários espaços, as janelas de sacada a sul abrem-se sobre o jardim de aparato, a poente ligam –se com sala de visitas e quartos, a nascente com o salão e a norte a sua forma segue através de um pequeno estreitamento rectangular em Madeira sobre a casa de jantar.
A sua função enquanto sala de refeições – vasary- explica as proporções estreitas e compridas uma vez que é característica da tradição hindu comer em linha, ou seja, colocado lado a lado.
A sala apresenta pavimentos em embrechados de grande qualidade estética, assim como restos de decoração de pinturas murais que nos ajudam a visualizar a concepção espacial dos interiores do século XVIII.
Palácio Santana da Silva, Margão
Este longuíssimo compartimento, com uma proporção de comprimento três vezes maior que a largura, estrutura-se forma preservam o mais puro espírito do vasary hindu. Esta longa casa de jantar, parece decorrer directamente do hábito das refeições se processarem segundo uma longa fila. Ainda hoje a tradução da expressão portuguesa de sentar á mesa, corresponde em concanim a comer em linha [1]. A importância deste espaço na tradição hindú irá determinar a sua permanência sistemática nas grandes casas indo-portuguesas sem excepção até aos nossos dias.
[1] Feio, Mariano. As Castas Hindus de Goa.Liboa.1979. Pag.37.
Casa Figueiredo, Loutolim
Sem dúvida uma das maiores e mais sumptuosas sala de jantar da casa senhorial indo-portuguesa, este espaço evidência de forma inequívoca a importância deste compartimento na tradição indiana. Digno de nota é ainda o tecto da sala com um sistema de rótula que ao permitir a circulação do ar funciona como refrescamento do ambiente.
Vasary paralelo à fachada principal
Palácio do Deão em Quepém
Seguindo uma tradição hindu o interior do palácio integra um longo compartimento localizado no centro da casa que, pelas suas dimensões e localização articula as diferentes zonas da casa. Servindo de sala de refeições este espaço designado por vasry caracteriza-se, ainda, pelas suas proporções estreitas e compridas que decorriam de uma tradição de comer em linha, isto é, cada um colocado lado a lado.
Bibliografia
Carita, Helder, Telhados de Tesoura e Práticas construtivas na Goa do século XVI a XVIII: os
----------------- Os Palácios de Goa - Modelos e Tipologias de Arquitectura Civil Indo-Portuguesa. Lisboa, Portugal: Quetzal Editores, 1995
------------------, A Casa Senhorial em Portugal. lisboa, Portugal: Leya, 2015
PANDIT, Heta; MASCARENHAS, Annabel, KOSHY, Ashok; CUNHA, Gerard da; Houses of Goa, ArchitectureAutonomous, 1999.
BRAGANÇA PEREIRA, António Bernardo, Etnografia da Índia Portuguesa, Bastora, Tipografia Rangel, vol. 2, 1940
SHANKHWALKER, Raya, The Balcão: A Goan Expression in India & Portugal Cultural Interactions, Bombaim, Marg Publications, 2001, pp.114-123.
Nota
coordenação e texto: Helder Carita
Fotografia: Nicolas Sapieha, Joaquim Santos, Pedro Pombo, Helder Carita