Apresentação
Sem dúvida um dos mais admiráveis tectos da história da casa senhorial em Portugal. Da autoria do pintor florentino Vincenzo Baccherelli (1672-1745), as vicissitudes do tempo fizeram deste tecto um dos raros exemplos da obra deste artista que teve uma intensa actividade, em Lisboa, durante as primeiras duas décadas do século XVIII. Com a sua obra, Baccherelli introduz a técnica dos tectos de quadratura em grandes perspectivas arquitectónicas, substituindo a tradição dominante, até essa altura, a pintura ornamental de brutescos. A obra de Bacherelli terá uma assinalável repercussão com os seus diversos discípulos, estendendo-se ao Brasil pela mão de António Simões Ribeiro.
Enquadramento histórico
Tendo resistido ao terramoto, o Palácio dos Condes de Povolide sofreu ao longo da sua história grandes transformações que lhe retiraram muito das suas características originais. O edifício terá adquirido a sua estrutura palaciana nos finais do Século XVII através de grandes obras mandadas realizar por D. Tristão da Cunha Ataíde (1655-1722), 1º conde de Povolide e herdeiro do seu tio conde de Pontével. Estas obras, como a decoração dos seus interiores, foram descritas nas Memórias do 1º conde de Povolide cujo manuscrito se encontra hoje na AN/TT. Por casamento, a Casa dos Condes Povolide é integrada na Casa dos Marqueses de Valadares que, por sua vez, possuíam em Lisboa um enorme palácio, junto do Convento do Carmo. Na sequência do terramoto o edifício sofre significativas transformações como sugere a sequência de tectos em estuque relevado do actual piso nobre. Nos finais do século XIX o edifício é vendido ao conde de Burnay sofrendo profundas transformações. Nestas obras os portais do piso térreo como as janelas do piso nobre recebem nova decoração, ao gosto do final do século XIX, sendo-lhe introduzido um novo corpo de escadas. Desde Junho de 1985, é sede do Ateneu Comercial de Lisboa, clube com uma reputação ligada a eventos culturais e sociais.
Planta de Lisboa de 1904 com a localização do palácio. Fachada do palácio numa fotografia
Vincenzo Baccherelli
Oriundo de Itália, Vincenzo Baccherelli teve a sua formação com dois grandes pintores; António Dominico Gabbiani e Alexandro Gherardini. No seu pendor para as perspectivas arquitectónicas e as grandes quadraturas o pintor acusa, no entanto, claras influências do pintor bolonhês Jacopo Chiavistelli (1621-1698). onde podemos destacar os tectos do palácio Pitti e Pucci em Florença. Segundo Cyrilo que, sobre o pintor, traça uma breve biografia, Baccherelli terá chegado a Portugal entre os últimos anos do século XVII e os primeiros anos do século seguinte tendo permanecido em Portugal até 1729 data que regressa rico à sua terra natal. A vinda do pintor terá sido por sua iniciativa, pois Cyrillo conta que, para mostrar as suas capacidades, o autor pintou gratuitamente o retábulo de uma Capella na Igreja da Trindade. Com o terramoto perdeu-se uma grande parte das suas obras, tendo ficado atestar as suas capacidades pictóricas o tecto da portaria do Mosteiro de São Vicente de Fora, com o tema "Triunfo da Igreja contra os Maniqueus" (1710). Tendo sido restaurado nos finais do século XVIII por Manuel da Costa o tecto é um exemplo do domínio do pintor tanto nas quadraturas e composição como no domínio da cor e do traço. Ao longo da sua estadia em Portugal, Baccherelli acaba por formar uma espécie de escola ou corrente de pintores educados na sua esfera de influência estética. Embora o seu discípulo mais chegado tenha morrido de forma prematura, outros se juntaram como António Simões Ribeiro, Brás de Oliveira Velho, Lourenço da Cunha, Vitorino Manuel Serra, António Pimenta Rolim e Luís Gonçalves Sena.
Portaria do Mosteiro de São Vicente de Fora com tecto pintado por Vicenzo Bacherelli: perpectiva da sala, vista de conjunto e dois pormenores.
Programa e atribuição
Na sua composição o tecto simula uma galeria com uma balaustrada que se desenvolve a toda à volta do espaço sendo interrompida no centro de cada face por um frontão recortado em forma de ático. Sumptuosas formas arquitectónicas desenvolvem acima da cornija, simulando efeitos de abertura espacial com mísulas, frontões curvos. estruturando-se em perspectivas criando um forte efeito ilusório de tridimensionalidade.
Correndo a toda a volta uma sequência de figuras em escorço
As Artes
Nos quatro lados do tecto recortam-se ao centro um grande frontão curvo ladeado, de cada lado, com figuras de escorço com temas alegóricos às artes. Das representações mais evidentes destaca-se a música com um bandolim, o teatro com uma máscara e a poesia com uma coroa de estrelas. Estando o estado da pintura em muito mau estado, não apresenta indícios de restauros facto que nos possibilita avaliar a frescura de traço como o domínio anatómico das figuras que aqui evidência as enormes capacidades do mestre.
Apolo e o carro do sol
Pilastras, balaustradas, sancas e pormenores
Bibliografia
MELLO, Magno Moraes, A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V, Lisboa, Ed. Estampa, 1998.
MELLO, Magno Moraes “Vincenzo Bacherelli e o ambiente florentino: a formação de um quadraturista”in Varia História, n.38, Belo Horizonte, Jul/Dez, 2007.
RAGGI, Giuseppina, ILUSIONISMOS Os Tetos Pintados do Palácio Alvor, Lisboa: DGPC/MNAA, 2013
SERRÃO, Vitor, O Barroco, Lisboa, Editorial Presença, 2003
SERRÃO, Vitor, e MELLO, Magno Moraes, “A Pintura de tectos de Perspectiva Arquitectónica no Portugal Joanino, 1706-1750, Catálogo Joanni Magnifico, IPPAR, Lisboa, 1994.
Documentos
Possui ainda teto com pintura perspetivada onde se conta o "Triunfo da Igreja contra os Maniqueus", de Vicente Baccareli (1710).
Palácio Povolide/Burnay - PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PAG/000063
Nota
Coordenação: Hélder Carita
Textos: Hélder Carita
Fotografias: atelier Hélder Carita