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    Salas de Aparato do Palácio de Santos

    Salas de Aparato do Palácio de Santos
    Portugal
    XVI,XVII,XVIII,XIX

    Localização

    Rua Santos-o-Velho nº5

    1249-070 - Lisboa

     

     

    Apresentação

    Localizadas num dos mais emblemáticos palácios de Lisboa, as salas de aparato do Palácio Santos apresentam-se como uma notável sequência de espaços arquitectónicos marcados por um significativo investimento estético pouco comum em toda a história da casa nobre em Portugal. Deste conjunto emergem as duas grandes antecâmaras com pinturas de Pedro Alexandrino ao gosto neoclássico do início do século XIX que nos documentam uma estética Iluminista em Portugal. Vinculada a uma tradição principesca de gabinetes de curiosidades, é a pequena Casa das Porcelanas cujo tecto recebe uma raríssima colecção de porcelanas Ming de uma invulgar qualidade. Outro exemplo de uma rara coerência e unidade é conjunto o oratório e da sacristia que, de forma notável, nos dá o clima de fausto e teatralidade cenográfica da Contra-Reforma e do Barroco nacional.  Tendo resistido na sua estrutura e decoração ao terramoto, aqui se concentra uma notável colecção de pintura cobrindo paredes e tectos. À pintura e à talha  associa-se, ainda, a uma preciosa colecção de azulejaria marcada pela presença do chamado “anjo do silêncio” cuja originalidade emerge como ex-libris do palácio.

    Pormenor do Paço Real de Santos na iluminura de António de Holanda e de Simão Bening in Geneologia dos Reis de Portugal. Iluminura da 1ª metade do sécuulo XVI.  British Library. Londres.

     

     

    Enquadramento Histórico

    Com uma longa existência que recua à idade Média e aos princípios da nacionalidade, o edifício foi inicialmente mosteiro da Ordem de Aviz. Nos finais do século XV com a construção de um novo mosteiro na zona de Xabregas o edifício é primeiro aforado a Fernão Lourenço, feitor da Casa da Mina e posteriormente cedido, por este, ao rei D. Manuel I. A cargo do arquitecto João de Castilho o palácio sofre significativas obras que se encontram registadas na iluminura de Lisboa de  António de Holanda e Simão Bening. Durante os reinados de D. Manuel I, D. João III e D. Sebastião o palácio permanece na Casa Real, embora durante o reinado de D. João III o palácio tenha sido cedido a D. Luis de Lancastre protegido do rei.  Com a morte de D. Sebastião, D. Luis de Lancastre tenta recuperar o palácio fazendo um acordo com as comendadeiras da Ordem de Aviz que continuavam a ser senhoras do domínio directo dos terrenos edificados. D. Luis  alegava benfeitorias realizadas no palácio, mas Filipe II não autoriza. Os Lancastre não desistem e com Felipe IV D. Francisco Luis, no ano de 1629, a compra do palácio.

    Pormenor da zona de Santos na vista de Lisboa da Academia Nacional de Belas Artes (ANBA)

    Ao  longo do século XVII e XVIII o palácio recebe diferentes obras à medida que os Lancastre mestres da Ordem de Aviz vão herdando títulos e morgadios tornando-se uma das famílias mais ricas do reino. D. Pedro Luís, filho do comprador do palácio herda o titulo de conde de Figueiró, tendo os Lancastre herdado depois o títulos de Vila Nova de Portimão, Marqueses de Fontes, Condes de Penaguião e Marqueses de Abrantes.  Com o período liberal e o apoio da família à causa de D. Miguel a família entra em forte declínio, sendo D. José 6º marquês de Abrantes obrigado a fugir para Londres onde acaba por morrer em 1827. O palácio de Santos é alugado à Imperatriz D. Amélia, viúva de D. Pedro I do Brasil, entre 1840 e 1847.  Pouco tempo depois, em 1853 é, por sua vez, alugado à Infanta D. Ana de Jesus, casada com o 1º Duque de Loulé.  Em 1870, é finalmente alugado ao Conde de Armand, Ministro da França, que aí instala a sua delegação. Este período ficou documentado em aguarelas do interior do palácio com um conjunto realizado no período de imperatriz D. Amélia da autoria de Ferdinand Le Feubure(1815-1898) e um segundo, realizado no período do Conde de Armand, da autoria de Cesare Biseo (1843-1909). Em 1911 o palácio é adquirido pelo Governo Francês,  para sede de delegação, elevada a embaixada em 1948.

       

    1º antecâmara do Palácio de Santos, em 1846 - Ferdinand Le Feubure (1815-1898). Aguarela.[assin.] 1846. Colecção Particular. Paris

    2º Antecamara do Palácio de Santos, em 1871 - Cesare Biseo (1843-1909), Assin.1871. Aguarela. Colecção Particular. Paris

    Oratório do Palácio de Santos, Aguarela, 1871 Cezare Biseo (1843-1909),

    Sala de Recepção do Palácio da Delegação Francesa, 1904. In ilustração Portuguesa -18 deJulho de 1904

     

     

    Morfologia e enquadramento urbano

        

    Se no século XVI a entrada principal do palácio fazia-se a partir das margens do Tejo, nos inícios do século XVIII  o edifício sofre uma radical transformação  com uma nova fachada sobre a calçada do Marquês de Abrantes voltando o palácio à cidade.  Um largo corpo com dez janelas de sacada a marcarem o piso nobre é ladeado por um corpo de entrada, limitado por pilastras e rematado por um frontão onde no tímpano se destacam as armas dos Lancastre. Do lado oposto a fachada não chegou a ser concluída ficando com um tramo com apenas duas janelas.  No interior o conjunto arquitectónico permanece centrado à volta de pátio ligando corpos arquitectónicos de épocas diferenciadas que, por sua vez, vão-se abrindo sobre varandas e jardins olhando o Tejo.

        

     

    Programa do piso nobre   

          

    Fruto de sucessivas transformações ocorridas ao longo dos séculos, o piso nobre do Palácio de Santos desenvolve-se num conjunto muito diversificado, mas onde cada espaço adquire uma individualidade arquitectónica muito particular mercê de um notável investimento estética que confere a cada espaço uma identidade muito particular. Embora esta diversidade, o conjunto organiza-se numa sequência de espaços de forte coerência dada a estudada articulação que se estabelece entre os diferentes espaços. Neste sentido o grande átrio de entrada, de ambiente solene, associa-se de forma axial a um grande vestíbulo que, por sua vez, faz uma articulação de diferentes zonas do palácio. Organizado em dois eixos ortogonais, em frente este vestíbulo dá acesso ao jardim, dão acesso lateralmente com três grandes arcos a diferentes partes do palácio, Ao centro um grande arco dá acesso a a uma escadaria de ligação ao andar superior. No sentido oposto duas portas simétricas dão, por sua vez, acesso a outras zonas do palácio.

        

     

    Alpendre

          

    A partir do pátio um vasto arco abatido dá acesso a um alpendre de entrada que se constitui como espaço de articulação com as várias dependências do palácio. Em frente, ao centro um segundo portal com uma invulgar cimalha mistilínea dá acesso ao grande vestíbulo de entrada. Com uma abóbada de berço as paredes recebem azulejos em azul e brando dos inícios do século XVIII, que se conjugam com chão em seixo rolado de desenho geométrico conferindo ao espaço um caracter solene e depurado de acordo com o classicismo tardio que perdurou em Portugal até aos inícios do século XVIII.

     

     

    Sala Vaga

               

    Denominada ao longo do século XVII e XVIII como “sala vaga”, o vestíbulo de entrada cumpre funções de espaço de articulação e circulação, sendo aqui que permaneciam os camareiros para acompanhar, conforme as situações, as visitas às diferentes zonas do palácio. Organizado em dois eixos rigorosamente ortogonais, a “sala vaga” liga-se por um eixo central ao jardim e pelo outro, inicia um longo lance de escadarias de grande monumentalidade que conferem a esta entrada uma escala palaciana. Articulando estruturas espaciais de épocas diferentes, sente-se, nas grandes transformações do palácio, efectuadas entre os finais do século XVII e os inícios do século XVIII, a presença de um arquitecto que confere uma lógica funcional de grande subtileza. O pavimento de mármore e as paredes pintadas de pedra fingida criam uma ambiência de espaço de transição entre exterior e interior.

     

     

    Saleta da Donna

              

    Situada na transição entre a sala vaga e as antecâmaras de aparato, este pequeno espaço marcado por um forte intimismo era denominado na época como “ saleta da dona”. Era aqui que permanecia a chefe dos criados que em Portugal  era ocupado, não por um mordomo, mas por um elemento feminino designado por “dona”, dada a sua tradicional condição aristocrática. No século XVIII com o Iluminismo este espaço passa de moda e tende a desaparecer nos interiores palacianos tornando-se este espaço como um raro exemplo desta tipologia.   O conde de Tarouca numa carta ao seu filho, datada de 1734,  dá-nos conta deste espaço, fazendo uma forte critica este costume português.  No inventário do palácio de 1704 esta sala é mencionada de forma abreviada por saleta, referindo o texto: “…Tres portas de cortinas da saleta da parte das antecâmaras que fazem seis cortinas irmaans”.

     

     

    1º Antecâmara

          

    De vastas proporções e marcada com altos tectos esta sala abre-se, num dos lados, com quatro grandes portas, directamente para um pequeno jardim conferindo ao ambiente um intimismo fortemente palaciano.  Na sua concepção a 1º antecâmara ou salão estrutura-se de forma coerente, articulando sabiamente o desenho do tecto com as paredes, num todo de grande equilíbrio estético. Nesta busca de unidade as quatro janelas, voltadas sobre o jardim, com as suas molduras e impostas, repetem-se simetricamente no lado oposto. Esta simetria é meramente aparente, pois do lado oposto ao jardim as portas de ligação com o interior do palácio surgem disfarçadas no desenho das portas garantindo o equilíbrio do conjunto. O mesmo vemos repetir-se de forma mais elaborada na porta de ligação com a 2º antecâmara. Colocadas ao centro nos topos da sala a ligação com a sala contígua aparece assimétrica, mas disfarçada no conjunto da porta e das molduras,  permanecendo, mais uma vez o conjunto,  absolutamente simétrico e coerente. Do equipamento móvel podemos destacar as oito banquetas, assinadas por Pierre-Antoine Bellengé, e realizadas para duquesa de Angoulême ( filha de Luis XVI) para o palácio das Tulherias. De forte presença são igualmente os quatro tocheiros em cartão-pedra do século XIX, oriundos da embaixada de França em Roma.

     

     

    Pinturas da 1ª antecâmara

         

    Por documentação do Arquivo da Casa Abrantes, os pinturas das duas antecâmaras  foram executadas ao longo do ano de 1804 e 1805, tendo sido os quadros históricos  entregues ao pintor Pedro Alexandrino e a pintura ornamental a uma equipe onde se destacam os pintores Pedro António, André josé e André Monteiro.  Nesta equipe André Monteiro da Cruz destaca-se pelo seu percurso artístico tendo sido pintor a título pessoal de várias salas no Palácio da Ajuda e no Palácio de Belém assumindo uma carreira  professor da Academia de Belas Artes.  

    A composição, num total de dezasseis, duas maiores ao centro na zona plana e catorze na zona arqueada articulando-se com a decoração mural das paredes. As pintura em tela colada são envolvidas por arabescos e grotescos estruturados com molduras de grinaldas e faixas douradas a ouro brunido.

     

     

    Painéis centrais

     

    Painel central (Norte) Juno implorando a Éole que mande ventos contra a frota de Eneias. Painel central (Sul)

    Venus na companhia das graças pede a Vulcano que forje armas para o herói

     

    Artes Liberais

    Pintura, Arquitectura, Escultura,

      

    Astronomia, Poesia e Música

       

    Situadas na arqueadura do tecto, as Artes Liberais em número de seis distribuem-se em cenas com três putti tendo o central os atributos de cada arte. A Pintura localizada a sul, na passagem para a 2º Antecâmara surge com os atributos da paleta e do pincel. Segue-se do lado nascente, virado ao jardim a Arquitectura com os atributos do esquadro e o compasso e a   Astronomia com o globo terrestre. Do lado oposto segue-se a Escultura com os atributos do escopo e o martelo e a Poesiacom a pena.  Por fim a Música localizando-se na zona norte virada à saleta de entrada surge com a pauta de música e um violino.

     

     

     

    Quatro Continentes

    Europa, África, Ásia e América

       

    Localizadas na zona mediana das duas paredes longitudinais localiza-se a nascente virado ao jardim Europa e a Ásia sendo a primeira simbolizada pelo cavalo e a fortuna e a Ásia pelo leão. No sentido oposto virado a poente situam-se a África e a América sendo a primeira simbolizada pelo camelo e a América pelo índio com toucado de penas

     

    Quatro Estações

    Primavera, Inverno, verão e Outono

       

    Nos quatro cantos da arqueadura do tecto situam-se. A Primavera situa-se a Sul poente simbolizada pelas flores. O Inverno situado a sul nascente simbolizado pelo velho e o fogo. O Verão situado a norte nascente com o trigo das colheitas e o Outono virado a Norte poente simbolizado pelo cacho de uvas e a taça de vinho.

     

    Grotescos e arabescos

        

    Ao longo das paredes nos quatorze tramos intercalares distribuem-se painéis de arabescos  grottesche de derivação rafaelesca inspirada especificamente ilustrações  da obra Loggia di Rafaelle de Giovanni Ottaviani e Giovanni Volpato.

     

    2º antecâmara

     

    Programa interior

        

    Com uma estrutura retangular, a 2ª antecâmara salienta-se pelo seu alto tecto abobadado com um programa pictórico de grande efeito decorativo. Cinco janelas portas conferem uma forte iluminação ao espaço, abrindo-se, três a nascente sobre o jardim e duas a sul sobre as margens do Tejo que, por sua vez, dão acesso a uma varanda que envolve a fachada. Em contraponto com a parede voltada sobre o jardim na parede oposta abrem-se nos estremos duas portas, uma para a Casa das Porcelanas e outra para a capela. Em contraponto com as duas janelas voltadas a sul, na parede oposta de ligação com a 1ª antecâmara, desenham-se duas portas simétricas, sendo, no entanto, uma falsa e outra disfarçada. Numa espécie de efeito de tromp l’oeil a passagem entre as duas salas abre-se de forma assimétrica num conjunto que permanece rigorosamente equilibrado. O ambiente é marcado por uma magnifica tapeçaria de Gobelins com a chegada de Luis XIV e as tropas francesas a Dunquerque, criada a partir de um desenho de Charles Le Brun e  Adam-Frans Van der Meulen. Almofadas das portas recebem pintura decorativa neoclássica em complemento às pinturas do tecto. Digno de nota é a colecção de canapés, bergeres, cadeiras de braços e duas banquetas em estilo “império”de grande qualidade.  Ladeando a grande tapeçaria erguem-se dois tremós  italianos de linhas  Luis XVI. De excelente qualidade são os quatro retratos a óleo sobre tela do séc. XVIII respectivamente de Luis XV, do conde de Artois, futuro Carlos X e o duque de Choiseu, lsegundo Louis-Michel Van Loo. Completa o conjunto Cezar-Gabriel de Choiseul duque de Praslin, segundo Alexandre Roslin.

        

     

    Tecto da 2ª antecâmara

    Programa pictórico

       

    No seu conjunto a decoração do tecto da 2º antecâmara é composta por oito cenas historiadas com temas mitológicos, da autoria do pintor Pedro Alexandrino, duas na zona central e seis na arqueadura do tecto. A área central divide-se em cinco panos transversais, dois integram cenas historiadas alternando com três tiras duplas de carácter decorativo com motivos em arabesco da responsabilidade de uma equipe onde se destacam os pintores Pedro António, André josé e André Monteiro da Cruz.

      

     

    Painéis centrais

     

    Polifemo e Galateia, no lado sul do tecto e  o Julgamento de Paris na zona norte.

    Cenas mitológicas na arqueadura

       

    Na parede voltada a sul num enquadramento circular O Carro de Neptuno e Anfitrite.  No topo norte; O carro de Cibele rodeada pelas Estações.

     

       

    Na parede voltada a poente; Venus e Saturno e Apolo e Dafne. Na arqueadura do lado nascente, virado ao jardim; Diana e Acteão e Diana e Endimião.

     

     

     

    Casa das porcelanas

         

    Na sua temática a Casa das Porcelanas integra-se na tradição dos gabinetes de curiosidades que vemos divulgar-se entre os príncipes europeus a partir do Renascimento e que, em Portugal, eram denominados por “camarim”.  O inventário do palácio realizado em 1704 confirma este facto ao referir as cortinas deste compartimento provido apenas de três portas:  “três portas de cortinas que fazem seis do mesmo damasco e franjas que são do camarim e trez sanefas de borcado”[1]. Pelo mesmo inventário sabemos que as paredes desta sala eram decoradas no século XVIII com porcelanas que se distribuíam por escaparates pintados e dourados. O inventário refere assim estes escaparates em talha dourada: “…nas paredes da ditta Caza das porçolanas se acharão duzentos caixilhos de madeira de talha dourada e em cada hum deles cravada hum porçolana da India pratos pequenos e pirez em que entrão também quatro bandejinhas de charão e entra nesta conta sette molduras que se acharão despregadas e sem louça e bem assim duas placas de talha dourada com seus pirez e seus camafeus e nas mesmas paredes se acharão vinte e um escaparates pintados e dourados que tudo se vio e avaliou em cento e cinquenta mil reis …  A originalidade da solução associada à raridade e qualidade das porcelanas faz deste camarim um caso sem paralelo na história dos interiores europeus como é atestado pelo estudo da grande especialista de porcelana chinesa, Daisy Lion-Goldschmidt. Que na revista Arts Asiatiques de 1984 escreveu um artigo sobre o tema:  « les Porcelaines Chinoises du Palais de Santos”. Nesta colecção a historiadora destaca um pequeno conjunto de pratos do reinado do imperador Zhengde, (1506-1521). um segundo grupo dos reinados de imperador Jiajing (1522-1566) e do imperadorLongqing (1567-1572). Um terceiro conjunto de grandes pratos de época do imperador Wanli (1573-1619) que se destacam pela sua raridade e qualidade.

       

     

    [1] Sousa, Maria Teresa Andrade e,  Inventário do Conde de Villa Nova Dom Luiz de Lamcastro, Lisboa, 1957, p.52

     

     

     

    Oratório

          

    Pequena jóia da arquitectura, este espaço é marcado por uma densidade dramática própria do gosto contra-reformista e do classicismo tardio que dominou o século XVII em Portugal. Caso muito raro, o espaço mantem as suas características originais ao nível de todos os seus elementos seja, pintura, talha ou azulejaria revelando uma notável unidade estética  e uma sábia conjugação destas artes.  Pelas armas colocadas nas duas pequenas portas que ladeiam o altar-mor, respectivamente, de D. josé Luis de Lancastre e de sua mulher Dona Filipa de Vilhena, podemos estabelecer a construção ou reconstrução do oratório entre os anos de 1667 e 1687. De planta rectangular, o oratório divide-se com uma balaustrada encimada por um grande arco em dois espaços, sendo cada um assinalado por alto tecto piramidal. O altar-mor de linhas depuradas  é marcado pela presença de uma grande tela com tema da Crucificação. Atribuída por Vitor Serrão ao pintor Amaro do Vale (+ 1619). Inicialmente a tela tinha em frente um cristo crucificado em escultura de vulto perfeito, referida pelo inventário do palácio de 1704 e ainda presente na aguarela que Cesare Giseo executou deste oratório, em1871.

    Pinturas do altar-mor

    No tramo superior das paredes, acima das molduras das portas, corre um conjunto de painéis divididos, cada um, por cinco telas que no seu conjunto corresponde a uma peculiar colecção de pintura religiosa portuguesa do século XVII. 

      

    No tecto do altar-mor distribuem-se os chamados mistérios gloriosos: sobre o retábulo do altar-mor: Ressureição, seguindo-se: Ascenção, Pentecostes, Morte e Coroação da Virgem.

    Nas paredes laterais do altar-mor distribuem-se de cada lado cinco quadros. Do lado esquerdo,  ao centro Maria Madalena recebendo dos Anjos a Comunhão. À esquerda Ecce Homo, ao alto e em baixo pintura do Bom Pastor. Do lado direito em cima Nossa Senhora das Dores, cópia de uma pintura de Ticiano e em baixo Suplício de São João junto á porta Latina em Roma.

    No painel do lado direito ao centro: Visão  de um Monge Dominicano de Soriano, cópia de uma tela do pintor espanhol Juan Bautista Maino(1578-1649).  À esquerda Virgem com o Menino , cópia de uma tela de Van Dyck e em baixo São Jerónimo Escrevendo. À direita em cima  Santa Teresa de Ávila escrevendo sobre a inspiração do Espirito Santo e em baixo pequena tela com um Santo Abade com báculo e um livro.

      

    No tecto da nave cinco telas com temas da vida de Cristo e da Virgem: Anunciação, Visitação, Adoração dos Pastores, Apresentação ao Templo e ao centro; Jesus entre os Doutores.

       

    Na nave o painel da parede por cima da entrada tem ao centro uma pintura com a Flagelação de Cristo. Em cima á direita, São João da Cruz, e à esquerda São Francisco de Assis. Em baixo à esquerda Santa Rosa de Lima em terciária dominicana sustém o menino jesus numa haste de rosas. À direita Santa Terciária Franciscana segura na mão o crucifixo e na outra um livro aberto e rosas.

    Na parede da nave  à esquerda Moisés Carregando as Tábuas da Lei. Em cima à esquerda Abade de hábito segurando um báculo e um livro e em baixo Santa Lucia segurando uma folha de palma. Em cima à esquerda um Pregador com Estola vermelha (São Francisco Xavier), e em baixo Santa Maria Madalena segurando um prato (?).

    Na parede direita da nave ao centro uma tela com o martírio dos três santos  Veríssimo, Máxima e Júlia da autoria de Marcos da Cruz. Em cima ao lado à direita Santa Dominicana beijando o crucifixo (Santa Catarina de Siena), e em baixo Santa Barbara. Em cima do lado direito Nossa Senhora com o Menino e em baixo Santa Rosália de Palermo, gravando sobre uma estela uma inscrição.

     

     

    Azulejaria

          

    No revestimento das paredes o oratório é marcado por um conjunto de painéis de azulejo distribuindo-se seis na nave e quatro no altar-mor que se conjugam com pinturas com fingidos de embutidos marmóreos. Datáveis da década de oitenta do século XVII estes azulejos situam-se num período de transição que, abandonando o cromatismo que dominou a primeira metade do século XVII, optam pelo o azul e branco por influência da  porcelana chinesa do período Ming. Contrariamente à produção barroca que vemos desenvolver-se com base em grandes composições, a temática destes azulejos mantém-se perto da lógica dos brutescos, divulgada pela gravura maneirista de ornato, que espraiando-se pelas superfícies envolvem pequenos quadros. Nos dois painéis da parede de entrada destacam-se, em pequenos cartelas,  duas cenas da infância de Jesus Cristo, respectivamente a fuga e o regresso da Sagrada Família do Egipto. Nas paredes laterais da nave do oratório destacam-se, por sua vez, quatro filacteras alusivas à Virgem Santissima:  três sobre as Vésperas da Virgem Santissima:  CONSURGENS, representado por nuvens, PULCHRA, representado pela lua e  ELLECTA representado pelo sol. A quarta cartela alude a uma das ladainhas de Nossa Senhora stella MATUTINA representada por uma estrela.

      

     

    Sacristia e o Anjo do Silêncio

           

    De pequenas proporções a sacristia é um dos espaços mais originais e intrigantes de todo o palácio. A entrada da sacristia é assinalada por uma inusitada figura de um anjo de tamanho natural,  que com um dedo nos lábios nos pede silêncio. Um dos emblemas do palácio este anjo não tem paralelo em toda a história da azulejaria portuguesa. O interior da pequena sacristia é, por sua vez, marcada por um programa decorativo igualmente sem paralelo na azulejaria portuguesa, mas agora apresentando pelo tema de laço, que num traçado, ao mesmo tempo vigoroso e espontâneo,  vai percorrendo as paredes e definindo o espaço.  Na nossa interpretação este tema, tão original como inusitado, relaciona-se com o “Nó da Aliança” com o divino,  que atravessa várias religiões e que vemos usado tanto pelos  franciscanos, como no cordão dos sacerdotes brâmanes ou ainda nos famosos nós das abóbadas manuelinas.

     

     

    Bibliografia

    Araujo, Norberto de, Inventário de Lisboa, Fasc. 6, Lisboa, CML, 1949, pp.23-28

    Carita, Helder, Le Palais de Santos, Lisboa, Editions Chandeigne, Quetzal, 1995

    Lion-Goldschmitt, Daisy, « les Porcelaines Chinoises du Palais de Santos, Arts Asiatiques, t.XXXIX, 1984, pp.5-71.

    “Um Documento do pintor Pedro Alexandrino” in Terra Portuguesa, 3º ano, nº27-28, Out/Nov. 1918

    Rose, Conte François de, « Une Ambassade dans un Palais », Connaissance des Arts, nº201, Nov. 1968, pp. 104-111

    Samoyault, Jean-Pierre, Le Palais de Santos, Paris, Editions Internationales du Patrimoine, 2011

    Sousa, Maria Teresa de Andrade e – Inventário dos Bens do Conde de Vila Nova, D. Luís de Lencastre, Lisboa, Ed. Abril, 1956

     

     

    Nota

    Coordenação eTexto: Helder Carita 

    Fotografia; Ana Lúcia Vieira, Kenton Thatcher, Helder Carita, Marize Malta, Paulo Sintra, Tiago Molarinho

     

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    PTCD/EAT-HAT/11229/2009

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