Um par de Cadeiras “D. José” de influência Chippendale
Identificação
Proprietário – Fundação das Casas de Fronteira e Alorna.
Nº de Inventário: CAD – 0101 (FCFA64); CAD – 00102 (FCFA64).
Classificação – Móvel de assento individual.
Denominação – Cadeira de Braços (par).
Local de Produção: Portugal.
Autoria - Desconhecida
Século – XVIII, terceiro quartel.
Estilo – Período D. José (1750-1777), de influência Chippendale[1].
Materiais – Madeira de pau-santo (Dalbergia nigra (Vell.) Fr. All.) e seda.
Técnicas Decorativas – Madeira recortada e entalhada.
Dimensões – CAD – 0101 (FCFA64): Altura: 99,0 cm x Largura: 66,0 cm X Profundidade: 53,0 cm;
CAD – 0102 (FCFA64): Altura: 101,4 cm x Largura: 62,5 cm X Profundidade: 54,5 cm.
Localização - Sala Juno do Palácio Fronteira[2]
Notas:
[1] Thomas Chippendale (1718-1779), importante marceneiro inglês, publica o primeiro catálogo com os desenhos do seu mobiliário em 1754, “The Gentleman and Cabinet-maker´s Director”.
[2] “Esta sala, chamada de Sala Império, pela sua decoração, ou sala Juno, por ter esta figura mitológica como pintura central do tecto abobadado, ostenta belos medalhões pintados a tempera ou mesofresco sobre estuques em relevo.”, Cf NEVES, José Cassiano, Jardins e Palácio dos Marqueses de Fronteira, Terceira edição, Lisboa, Quetzal Editores, 1995, p.66.
Principais Alçados do Par de Cadeiras
Cadeira D. José de Influência Chippendale, Alçados: principal, lateral direito, lateral esquerdo e tardoz, respetivamente da esquerda para a direita, Inv. CAD0101.
Cadeira D. José de Influência Chippendale, Alçados: principal, lateral direito, lateral esquerdo e tardoz, respetivamente da esquerda para a direita, Inv. CAD0102.
Estas magníficas cadeiras testemunham a produção híbrida resultante do encontro entre a excelente talha e materiais portugueses, com a inspiração ditada pelos trabalhos do marceneiro inglês Thomas Chippendale (1718-1779|), cuja primeira publicação do seu catálogo “The Gentleman & Cabinet- Maker´s Director”, em 1754, teve um grande impacto no mobiliário produzido nessa época e no português em particular.
As peças “D. José” demonstram uma enorme criatividade, fantasia e qualidades técnicas. No terceiro quartel do século XVIII foi produzido aquele que é considerado o mobiliário português com maior perfeição de execução e de que estes exemplares são prova.
Descrição Compositiva
Espaldar
Espaldares das cadeiras CAD – 0101; CAD – 0102, respetivamente à esquerda e à direita.
O Espaldar é trapezoidal, alto e esguio comparativamente com os modelos ingleses. É constituído a partir dos montantes traseiros unidos em cima por uma travessa que ultrapassa a largura dos montantes do espaldar, em forma de arco invertido, o cachaço. Este apresenta três zonas de curvatura distintas, com um cavado central, ligeiramente enrolado para trás e que termina com enrolamentos em forma de espiral, sendo entalhado com um concheado rocaille ao centro. A tabela central é recortada e igualmente entalhada na união com o cachaço, possuindo talha com quatro vazamentos verticais que terminam na parte inferior, num vazamento em forma de coração ladeado por dois acantos. A separação da tabela, entre estes dois níveis, é feita por uma fiada de “gomos” e outra de “oitos” entrelaçados. A tabela central e o cachaço em arco, a ultrapassar a largura dos montantes, são de clara influência Chippendale.
Assento
Detalhe do aro do assento da cadeira CAD – 0101 e CAD-0102, com o rebaixo interior, respetivamente da esquerda para a direita e coxim.
O assento é constituído por um aro de formato trapezoidal com a frente arredondada, com um pequeno saial na zona central, entalhado com um concheado assimétrico rocaille; o coxim é amovível, estufado em seda amarela (não original) e encaixa num rebaixo interior do aro do assento.
Pernas Dianteiras
I- II - II - Perna da Cadeira CAD – 0101,comdetalhe do Joelho e do pé em bolacha
.
I V- V- VI - Perna da Cadeira CAD – 0102, com detalhes doJoelho e pé em bolacha.
As pernas dianteiras são galbadas e apresentam joelho hipertrofiado e entalhado que se sobrepõe ao aro do assento, apesar das pernas e do aro do assento serem peças individualizadas. A talha é muito delicada com concheados assimétricos, feixes de plumas, elementos vegetalistas e pequenos enrolamentos. O suporte, ou pé, termina em bolacha com uma folha entalhada que se divide em dois enrolamentos.
Montantes
I II - Montante traseiro da cadeira CAD-010, com detalhe do reforço estrutural entre a perna traseira e a lateral do aro do assento e pé.
III - IV -Montante traseiro da cadeira CAD-0102, com detalhe do reforço estrutural entre a perna traseira e a lateral do aro do assento e pé.
Os montantes traseiros são ligeiramente inclinados para trás e arredondados na zona que constitui as laterais do espaldar. A partir do encaixe do aro da cintura para baixo, correspondente à parte das pernas, estes são ligeiramente abaulados para a frente e a terminar em secção quadrada; os pés traseiros são igualmente de secção quadrada, com um ligeiro enrolamento para fora. Apresentam um reforço estrutural entre as pernas traseiras e o aro do assento, a orelha. De notar a perfeição, em perfil, que existe na curvatura das peças inteiras que constituem a lateral do espaldar e as pernas traseiras. Não apresentam travejamento entre pernas.
Apoio de Braço e Braço
I - Apoio de braço e braço ondulado da cadeira CAD – 0102, com detalhe do punho.
II - Apoio de braço e braço ondulado da cadeira CAD – 0101, com detalhe do punho.
O suporte do braço é em consola invertida, entalhado com enrolamentos vegetalistas na base, de onde se projeta para cima com um acanto entalhado. No topo do suporte assenta a frente do braço, que é ondulado e igualmente entalhado a terminar numa voluta. A parte traseira do braço é fixada no montante do espaldar.
Alterações
Marcas e Inscrições
I - II - Etiqueta colocada na face interior da travessa posterior do aro do assento e inscrição existente na face interior da travessa lateral esquerda do aro do assento, cadeira CAD-0101.
III - Punção colocado por baixo da travessa posterior do aro do assento, com referência ao restauro cadeira CAD0101.
Etiqueta colocada na face interior da travessa posterior do aro do assento, cadeira CAD – 0102.
As cadeiras não apresentam nenhum símbolo heráldico, data ou assinatura de autoria. Apresentam etiquetas e inscrições na face interior do aro do assento referentes à identificação no inventário e punção dos restauros, na face inferior da travessa posterior do aro do assento.
Técnicas e Precisões técnicas
As duas cadeiras são feitas de madeira de pau-santo recortada, entalhada e vazada, com samblagens em furo e respiga cavilhadas.
O coxim é amovível, estofado e guarnecido a seda amarela, não original.
Acabamento: O acabamento das duas cadeiras é encerado.
Precisões Técnicas
Esquema das Samblagens
Esquema das samblagens das cadeiras CAD-0101 e CAD-0102
Pormenor do braço adossado ao aro do assento e da inserção das pernas por baixo do aro do assento,
Nas duas cadeiras, os braços são recuados em relação à prumada das pernas e adossados ao aro da cintura, “abraçando-o” pela parte exterior e sem a preocupação de esconder a ligação. Esta é promovida por uma peça que possuiu um recorte redondo na parte inferior do suporte, modo de fixação à inglesa[1]. O processo de ligação dos braços ao aro do assento à francesa é feito embebendo os apoios do braço no aro, simulando constituir uma peça única.[2]
As cadeiras apresentam a construção de um rebaixo interior no aro do assento, característica de construção das cadeiras portuguesas deste período, que permitiu o “coxim amovível”. O desenho das pernas em relação ao aro do assento deixou de necessitar da travessa vertical, que as inglesas apresentavam, para fixar o estofo quando este passava sobre ele fixando-se na sua parte de trás, originando uma passagem brusca da linha reta para a curva. A inovação portuguesa permitiu, para além do coxim amovível, que a ligação da perna da cadeira apresentasse o desenho da parte ondulada logo a partir do topo dos cantos do aro do assento. Esta solução não aparece na construção das cadeiras inglesas.[3] A forma de inserção das pernas é feita à inglesa, entrando por baixo do aro e não fazendo parte integrante deste e, desta forma, não simulando ser uma peça única como acontece nas cadeiras francesas.
[1] Cf. PAIVA, José Francisco de, Ensamblador e Arquitecto do Porto , Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga, 1973, p.132.
[2] Cf. PINTO, Augusto Cardoso Pinto, op. cit, p.92.
[3] Cf. PINTO, Augusto Cardoso Pinto, op. cit, p.94.
Estado de Conservação
O estado geral de conservação é bom. As cadeiras encontram-se estabilizadas, com o desgaste e patine natural esperado para peças com o seu tempo. Apenas apresentam pequenas falhas ou lacunas, sem significado, que não retiram nem a leitura nem a funcionalidade das cadeiras.
Documentação Associada
A - Inventário da Fundação
Referência dos dois pares de cadeiras, CAD0086/87 e CAD-0101/0102, no Inventário da constituição da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, doadas por D. Fernando José Fernandes Costa Mascarenhas, 12º Marquês de Fronteira (1945-2014):
“… par de cadeiras estilo Chippendale com braços e estofo em seda; par de cadeiras Dom José, e assento forrado; ...”[1]
[1] Informação gentilmente cedida por Rodrigo Bobone, Conservador e Restaurador do mobiliário do Palácio.
B - Desenhos de espaldares de cadeiras de Chippendale
Desenho de Thomas Chippendale – Backs of Chairs Nº XVI, “The Gentleman Cabinet – Maker´s”
Desenhos de espaldares de cadeiras do catálogo “The Gentleman & Cabinet - Maker´s Director” de Thomas Chippendale que influenciaram estas cadeiras D. José.[1]
[1] CHIPPENDALE, Thomas, The Gentleman Cabinet – Maker´s, reedição da 3ª edição, Nova Iorque, Dover Publications, Inc., 2018, pp. Chairs Nº X, Nº12, Nº XIIII e XVI.
Notas Finais
O mobiliário D. José (1750-1777), embora herde muitas características do período anterior, D. João V (1706 -1750), distingue-se perfeitamente deste. Assimila muitas características estrangeiras, mas é inconfundível. As formas estilizam-se apresentando maior elegância e equilíbrio. No terceiro quartel do Século XVIII, com D. José, intensifica-se a influência francesa que compete com a influência Inglesa, sem nunca a suplantar. É desta fusão de influências e do seu hibridismo com os materiais e técnicas portuguesas, que surge o mobiliário D. José. Apesar de se identificar e manter mais fiel ao estilo Inglês, mais funcional e sóbrio, mais de acordo com a nossa maneira de ser e sendo essa a principal influência que o nosso mobiliário vai seguir, as nossas cadeiras normalmente apresentam o espaldar mais alto e esguio, são feitas em pau-santo e nogueira e as inglesas em mogno. Estas duas cadeiras são carregadas de movimento livre, de curvas e contracurvas, volutas, concheados assimétricos, elementos vegetalistas estilizados feitos em talha, ornatos e estruturas típicas da decoração rocaille.
Nas características inglesas ditadas por Chippendale, o móvel de assento apresenta o espaldar em forma trapezoidal, com a maioria das travessas do cachaço com três zonas distintas, e uma elevação ao centro entalhada. O cachaço torna-se mais independente dos montantes, podendo ultrapassar os seus limites e apresentar-se em forma de arco, que normalmente termina em enrolamentos, como é o caso deste par. Contudo, também se podem encontrar alguns espaldares de forma trapezoidal, com montantes a encurvarem-se e a embeberem o cachaço. A tabela central do espaldar apresenta-se em forma de balaústre de fenestrados, com talha recortada e vazada. É decorada, principalmente, com motivos geométricos e ornamentos rocaille. Esta tipologia de tabela está presente nestas cadeiras, assim como a perna galbada. A influência inglesa é também visível no joelho hipertrofiado entalhado, na forma de fixação das pernas e dos apoios de braços ao aro do assento.
Bibliografia Essencial
CHIPPENDALE, Thomas, The Gentleman and Cabinet-maker's Director, Londres, Thomas Chippendale, 1754.
;CHIPPENDALE, Thomas, The Gentleman Cabinet – Maker´s, Reedição da 3ª edição, Nova Iorque, Dover Publications, Inc., 2018;
FEDUCHI, Luis, História do Mobiliário, Barcelona, Editorial Blume, 1986;
GUIMARÃES, Alfredo, Mobiliário do Paço Ducal de Vila Viçosa, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1949;
GUIMARÃES, Alfredo, SARDOEIRA, Albano, Mobiliário Artístico Português- Lamego, Porto, Edições Marques Abreu, 1924;
NEVES, José Cassiano, Jardins e Palácio dos Marqueses de Fronteira, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1953;
PAIVA, José Francisco de, Ensamblador e Arquitecto do Porto , Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga, 1973;
PINTO, Augusto Cardoso, Cadeiras Portuguesas, Lisboa, Livraria Olisipo, 1998; PINTO,
Pedro Costa, O Móvel de Assento Português do Século XVIII, Lisboa, Mediatexto, 2005
;PINTO, Maria Helena Mendes, José Francisco de Paiva – Ensamblador e Arquitecto do Porto (1744-1824), Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga, 1973;
PINTO, Maria Helena Mendes, Os Móveis e o seu Tempo: Mobiliário Português do Museu Nacional de Arte Antiga Séculos XV-XIX, Lisboa, Instituto Português do Património Cultural, 1985-1987;
SANDÃO, Arthur de, O Móvel pintado em Portugal, Livraria Civilização, 1984.
Observações
Texto. Patricia Cotta, 2019