Enquadramento urbano
Localizado junto ao Campo de Santana, na pendente orientada a oeste do vale da Avenida da Liberdade, o palácio Melo integra-se num movimento de nobilitação desta zona iniciado pela vinda da rainha D. Catarina de Bragança que aqui se instala nos finais do século XVII, após o seu regresso de Inglaterra. No seu conjunto arquitectónico, o edifício resulta de grandes obras mandadas executar por D. João de Mello e Abreu, após a sua compra ao Desembargador António Freitas Branco em 1715. Da primeira campanha de obras iniciada pelo desembargador em 1688 o palácio guarda uma feição seiscentista que se expressa na fachada principal por uma estética chã marcada por um rigor de linhas e forte austeridade. As obras mandadas realizar por D. João de Mello e Abreu ter-se-ão estendido por vários anos pois, em 1726, o proprietário faz um pedido à Camara de Lisboa (cordeamento) pedindo continuação de obras do seu palácio. Da campanha de obras promovida por D. João é já o elegante arco abatido de entrada para o pátio numa nova linguagem de sentido barroco italianizante que se manifesta em Portugal a partir da década de vinte com as intervenções de Canevari e Ludovice. Esta estética volta-se a manifestar no arco trilobado da entrada do pátio dando acesso ao vestíbulo e escadarias nobres onde no interior os pressupostos do barroco de tendência italianizante se manifestam em todo o seu esplendor. Permanecendo na família dos Mello Murça até 1854, palácio é vendido nesse ano ao Estado por D. João José Maria, 3º conde de Murça. Actualmente é parte integrante do complexo do Hospital dos Capuchos.
Estrutura e composição espacial
De particular significado no contexto da história da arquitectura doméstica, a entrada do Palácio Mello figura-se como um dos mais notáveis casos de escadaria barroca em Portugal.
Na sua composição e morfologia, estas escadarias integram-se na tipologia de escadas com dois patins centrais articulados de cada lado com lances simétricos e convergentes, divulgadas nos tratados de Sérlio e de Vignola. Esta solução, utilizada normalmente como escada exterior de acesso ao piso nobre, faz uma progressiva aproximação ao interior da casa passado a fazer parte da sua estrutura espacial e distributiva. Este processo de aproximação resulta em Portugal de um conjunto de experiências realizadas ainda no século XVIII onde se destacam as escadarias do Palácio de Palhavã[1]. Se aqui as escadas localizadas na estrutura de um alpendre avarandado ainda se encontrem ainda no exterior; no Palácio Fronteira[2], estas escadarias desenvolvem-se já no interior do vestíbulo, transparecendo o seu caracter experimental na sua situação um pouco apertada.
Integrado na estrutura distributiva, as escadarias ganham importância como elemento gerador de todo o programa arquitectónico, articulando ao centro as entradas do piso térreo e do piso nobre. Concebidas em duplo pé direito, elas desdobram-se em largos lances de escada de suave inclinação, revelando um sentido cenográfico deste grande espaço vocacionado para grandes festas e rituais num gosto afecto ao barroco do século XVIII.
As proporções dos espaços, o requinte do tratamento dos balaustres, o jogo de molduras dos arcos e portais, associado a um programa azulejar de notável pujança estética tornam, sem dúvida, este caso num dos mais originais e conseguidos espaços da arquitectura civil portuguesa.
[1] Sobre o palácio conf. TEIXEIRA, José de Monterroso, El Palácio de Palhavã, Arquitectura y Representacion, Lisboa, ed. Embaixada de Espanha, 2008
[2] MESQUITA, Marieta Dá, História e Arquitectura – Uma Proposta de Investigação – O Palácio dos Marqueses de Fronteira como Situação Exemplar da Arquitectura Residencial Erudita em Portugal “ Dissertação de Doutoramento, Vol. II, Lisboa, FA-UTL, 1992.
Elementos de composição: modenaturas, portais, balaustres e nichos
Se a azulejaria pela sua pujança estética assume um notável protagonismo neste espaço, a coerência estética deste conjunto assenta na feliz conjugação de elementos arquitectónicos onde se destaca o desenho dos diferentes portais, assim como a guarda dos lances superiores, que em balaustres de mármore vermelho acentuam um ritmo e dinâmica ao espaço.
Em total simetria dois mísulas de pedra de espaldar alto recebiam duas imagens de N.ª Srª, hoje recolhidas no interior do edifício.
Azulejaria
Na sua composição arquitectónica e estética, a azulejaria constituiu-se como o elemento fundamental deste grande espaço, conferindo-lhe ao mesmo tempo um sentido cenográfico feito de monumentalidade, ritmo e unidade. A opção para uma temática de guerra e campanhas militares está claramente relacionada com o facto de D. João de Mello e Abreu ter participado na Guerra da Sucessão de Espanha, cujas tropas lideradas pelo marquês de Minas ocuparam de forma vitoriosa a cidade de Madrid em 28 de Junho de 1706.
Na evolução da azulejaria, esta colecção integra-se no chamado “ciclo dos grandes mestres”. Situada nas primeiras décadas do século XVIII, a azulejaria deste período afirmou-se como um dos momentos mais notáveis desta arte marcada pela mestria de desenho, domínio de traço e profundo sentido arquitectónico.
Datáveis dos finais da década vinte do século XVIII, os azulejos pelas suas características, tem sido atribuídos a Nicolau de Freitas (1703-1765). Esta atribuição acresce o facto do pintor ter trabalhado mesmo ao lado, no convento de Santo António dos Capuchos. Quanto à sua inspiração temática, os diferentes painéis parecem recolher influências variadas das séries de gravuras que vemos ser divulgadas por toda a Europa, destacando-se detalhes retirados das gravuras de António Tempesta que vimos influenciar a produção de outras oficinas da época e outros casos como o Palácio de Tancos em Lisboa ou o Quinta do Correio-mor em Loures.
Concebidos numa escala num vigor de traço para serem vistos e contemplados à distância, a azulejaria assume aqui um forte sentido arquitectónico. Este sentido mais arquitectónico que meramente pictórico acentua-se, sobretudo, no desenho e concepção das molduras, onde pilastras, frisos e molduras, se associam com largos concheados e volutas.
Composição e cercaduras
São as cercaduras, mais que os quadros inscritos em cada painel que, adquirindo uma forte proeminência e autonomia constituem o elemento fundamental de composição do espaço conferindo-lhe inequívocas qualidades de ritmo e unidade. Feitas de fortes enrolamentos, concheados, molduras, frisos enquadrados com mísulas, estas cercaduras acompanham o percurso do espaço conferindo não só um forte efeito cenográfico, mas sobretudo um erudito sentido arquitectónico. Acentuando o caracter celebrativo das campanhas da guerra da Sucessão, puttis associados a temas bélicos seguram ornamentos musicais (trombetas, timbale ou trompetas) articulando com canhões, estandartes, armaduras e outros símbolos militares.
Cercaduras dos lances de escada
Pormenores dos putti
De desenho delicado mas preciso destacam-se, nos diferentes painéis, uma série de puttis, que vemos localizar-se em três situações diferenciadas: num par encimando o centro do painel, nas pilastras laterais tocando trompetas e igualmente em par ao centro das bases dos painéis. Tocando trompetas ou enquadrando temas militares conferem um sentido de celebração, acentuando a ligação deste conjunto azulejar ás vitórias das tropas portuguesas na Guerra de Sucessão de Espanha.


Painel 1 – A chegada
Painel 2 – Acampamento
Painel 3 – Reunião das tropas
Painel 4 – O informador local
Painel 5 – Preparativos para a batalha
Painel 6
Painel 7
Painel 8
Painel 9
Painel 10
Painel 11
Painel 14
Painel 15
Painel 16
Documentação
Planta do Palácio Pertencente ao Asylo da Mendicidade de Lisboa.
TT- MR2-Planta 5276-13
Arquivo Municipal da CML - Livro de Cordiamento 1720 – 1729 1726 – D. João de Mello e Abreu (morada na Rua direita de Santo Agostinho dos Capuchos)
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, Livro 7, Lisboa, s. d.
ATAÍDE, M. Maia, (dir. de), Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, Lisboa, Tomo III, Lisboa, 1988.
FLOR, Susana; “O Palácio Melo e Abreu em Lisboa: história, Arte e Património” in Contributos para o Estudo do Azulejo de Lisboa, CML, 2014, pp. 98-119.
Cronologia e proprietários
1705 - Segundo o autor Corografia Portuguesa D. João de Mello e Abreu participa nas campanhas da guerra da Sucessão de Espanha
1715 –D. João de Mello abreu compra uma casas nobres a José de Melo e Silva que tinham pertencido ao desembargador António de Freiras Branco.
1726 - data que o proprietário assina um pedido formal ao Senado da Camara de Lisboa “acabar as suas cazas que tem principiado pellos mesmos estrosimento que tem do quarto novo que esta feyto,o qual mandou fazer o desembargador antónio de freitas Branco”.
1792 – Falecimento de D. Miguel de Melo e Abreu passando o palácio para seu filho D. João Domingues.
1802 – D. João Domingues celebra contracto com o carpinteiro José de Almeida ordenando um conjunto de modificações no interior do palácio.
1805 – O palácio é herdado por D. Miguel António de Mello após falecimento de seu pai D. Domingos
1843 – O palácio é alugado à Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho.
1854 - O edifício é vendido ao Estado por D. joão José Maria 3º conde de Murça sendo integrado no asilo da mendicidade de Lisboa.