Mestre estucador natural de Bioggio, junto a Lugano, no cantão suíço do Ticino, João Grossi, como foi conhecido em Portugal Giovanni Maria Teodoro Grossi, foi baptizado a 7 de Outubro de 1715 na freguesia de S. Maurício. Era filho de Pietro Grossi e Marta Taddei, ambos pertencentes a famílias com “maestri d’arte” (arquitectos, engenheiros e mestres especializados nas várias áreas da construção) nas suas fileiras. É provável que Grossi tenha aprendido os rudimentos da sua arte no âmbito familiar, como era vulgar no Ticino, eventualmente junto do tio materno e padrinho Martino Taddei, “capomastro” (mestre de obras) activo em Lugano na década de 1740.
Grossi acompanhou a Madrid dois primos, os irmãos Francesco e Pietro Antonio Grossi, com eles participando entre 1740 e 1742 nas obras do novo palácio real de Madrid. A sua vinda para Lisboa terá estado relacionada com a fuga da prisão após um duelo em que se envolveu em Madrid.
Na Quaresma de 1743 morava já em Lisboa, na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, participando então nas obras de decoração do palácio da quinta de Fernando de Larre, o provedor dos armazéns da Guiné, Índia e Mina. Em 1746 está documentada a sua presença como mestre estucador da igreja paroquial dos Mártires, no centro da cidade, onde realizou os estuques da capela-mor e da nave, estes últimos rodeando uma tela de grandes dimensões de Vieira Lusitano.
No período que antecedeu o terramoto de 1755, Grossi terá ainda trabalhado, em conjunto com outros estucadores ticinenses que então viviam em Lisboa (Carlo Sebastiano Staffieri, Giovanni Francesco Righetti, Sebastiano Toscanelli e Michele Reale) em várias obras de estuque ainda existentes na capital, onde dominam os elementos decorativos da linguagem da Regência francesa, associados, por vezes, aos ornatos do “barocchetto” de ascendência italiana. São exemplos destas obras as salas e o oratório do palácio de Fernando de Larre, na calçada do Combro (c. 1746); a casa da escada do convento de Nossa Senhora da Conceição do Monte Olivete, ou convento do Grilo, da ordem dos Eremitas Descalços de Santo Agostinho (c. 1746); o tecto do oratório do Santíssimo, no antigo convento de Nossa Senhora das Necessidades (c. 1749), a capela do Senhor dos Passos, no claustro do mosteiro de Santos‑o‑Novo, possivelmente da mesma data; os estuques da capela do Senhor Jesus dos Perdões e do gabinete do anexo Palácio do Mitelo (c. 1752); as capelinhas do coro baixo da igreja do convento da Encarnação e de duas salas do palácio Pombal na rua Formosa (o salão nobre e a sala verde ou da Aurora), possivelmente de meados de 1750. De 1755 datarão os estuques do palácio do Machadinho e as casas de fresco dos palácios de Belém (“Ninfeu”) e do palácio da vila, em Sintra, em que já está presente a linguagem decorativa do rococó.
Nos anos que se seguiram ao terramoto, Grossi vai estar envolvido em muitas das obras de reconstrução da capital, assumindo a liderança das obras de estuque em que participou, talvez pelas boas relações que conseguiu estabelecer com os estratos mais influentes da sociedade de então. O apoio do futuro marquês de Pombal revelou-se fundamental no sucesso da sua carreira.
Em 1757 e 1758 dirigiu as obras de estuque da capela da Ordem Terceira de Jesus e da igreja dos Paulistas, ambas em Lisboa, em que participaram outros estucadores seus parentes: Sebastiano Toscanelli e o seu filho Giuseppe, Pietro Cristoforo Agustini e Antonio (?) Quadri. Trabalhou também na decoração do palácio da família Pombal na rua do Século em Lisboa e no palácio e capela da quinta de Oeiras. Tudo indica que terá dirigido os estuques do palácio do Correio-Mor em Loures.
Em 1764 casou com Rosa Bernarda da Costa Velho de quem teve cinco filhos apadrinhados por membros da casa Pombal. Nesse mesmo ano foi convidado para dirigir a Aula de Desenho e Estuque, inserida na Real Fábrica das Sedas, com a intenção de formar “hum competente numero de Artifices Nacionaes, hábeis para as ditas Obras, com utilidade pública da reedificação da Cidade de Lisboa”, evitando‑se assim o seu regresso a Madrid para trabalhar nas obras de decoração do Palácio Real. A Aula funcionou entre 28 de Agosto de 1764 e 6 de Outubro de 1777, recebendo Grossi pelo ensino e direcção da Aula um ordenado de 600$000 réis por ano.
Durante o período de actividade da Aula, Grossi, provavelmente assistido pelos seus alunos e colaboradores, trabalhou em várias obras públicas e privadas. Está documentada a sua presença em 1768 e 1769, no Arsenal da Marinha (na Casa da Audiência do ouvidor da Alfândega e na capela de São Roque da Ribeira das Naus), no edifício da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, fruto da adaptação do convento de S. Roque, que pertencera à Companhia de Jesus (casa do Despacho, secretaria e casa dos cofres) e ainda no Colégio dos Nobres.
Após a queda do marquês de Pombal e o encerramento da Aula de Desenho e Estuque, foi permitido a Grossi, por especial favor, continuar a residir, a troco de uma renda, nas casas que ocupava na Praça das Águas Livres, pertencentes à Real Fábrica das Sedas. Morreu sem testamento e foi sepultado no Loreto, a 26 de Janeiro de 1780, amortalhado no hábito de S. Francisco.
(Isabel Mendonça)
Bibliografia
MACHADO, Cirilo Volkmar - Collecção de Memorias Relativas às vidas de pintores, e escultores, e architectos, e gravadores portuguezes, e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1922 (1ª ed. de 1823).
SILVA, Hélia Tomás da - Giovanni Grossi e a evolução dos estuques decorativos no Portugal setecentista. Dissertação de mestrado em Arte, Património e Restauro. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, exemplar policopiado, 2005.
MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho - Estuques decorativos. A evolução das formas (sécs. XVI a XIX). Lisboa, Colecção Arte nas Igrejas de Lisboa, Patriarcado de Lisboa, 2009.
MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho - “Estuques decorativos em palácios da região de Lisboa: encomendadores, artistas e fontes de inspiração”, in Casas Senhoriais Rio-Lisboa e seus interiores (dir. de Marize Malta e Isabel Mendonça). Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro (Escola de Belas Artes), Lisboa, Universidade Nova de Lisboa e Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva, 2014, pp. 175-201.
MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho - “Estucadores do Ticino na Lisboa joanina”. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa joanina (1700/1755) (coord. de Hélder Carita), Lisboa, Arquivo Municipal, Jan-Jun 2014, série II, nº 1, pp. 185-220.
MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho - “Grossi e a sua «companhia» de estucadores na capela da Ordem Terceira de Jesus”. Revista Rossio, nº 3, 2014, Lisboa, Gabinete de Estudos Olisiponenses, pp. 168-179.