Apresentação:
As aguarelas incluídas no álbum de Enrique Casanova, inscrevem-se num género artístico muito particular, que vemos emergir ao longo século XIX, onde os interiores e o espaço arquitectónico assumem um particular protagonismo tornando-se o tema central da representação. Este conjunto de aguarelas apresenta, no entanto, uma particularidade que as torna num caso muito original e peculiar. Em vez de representações de grandes espaços representados na sua perspectiva mais ampla, confrontamo-nos, sobretudo, com recantos de salas onde o espaço adquire uma forte dimensão psicológica e narrativa ao invocar um personagem que, sem estar presente, paira pelo ambiente e nos objectos
É, assim, na sua dimensão histórica e narrativa que estas aguarelas adquirem a sua expressão mais sofisticada e que aqui se expressa no culto pelo passado, no apreço pelas colecções, nas recordações de viagens, ou nos pequenos objectos íntimos. Na realidade o álbum com dezanove aguarelas de salas dos Palácios Reais da Ajuda, Cascais e Sintra, foi encomendado para ser oferecido a D. Luis I, por ocasião do seu 51º aniversário, a 31 de Outubro de 1889. A morte do rei, quinze dias antes, impediu este desígnio. Neste sentido, é provável que a execução das aguarelas perdesse o seu carácter de urgência. Aliás, ainda em Setembro de 1891, Enrique Casanova não tinha prontas as aguarelas com os interiores da Cidadela de Cascais. Apenas em Setembro de 1895 a firma Leitão & Irmão apresentou os desenhos para a capa do álbum.
Palácio Nacional da Ajuda
Sala de Despacho, Sala Azul, Gabinete de Trabalho, duas perspectivas da Sala da Música
Atelier de pintura de Dom Luis, Sala de despacho particular, Quarto de Toilette do Rei e Quarto de D. Luís I.
Dos três palácios representados no álbum de aguarelas de Enrique Casanova, o Palácio da Ajuda apresenta os interiores de carácter mais oficial e representativo. As paredes forradas de tecido ou de papel pintado, a importância das carpetes e das alcatifas, o uso sistemático de tecidos desdobrando-se em estofos lisos ou em capitonné, os cortinados e bambolinas, associam-se como elementos essenciais à criação de um ambiente caracterizado por uma sistemática procura de conforto. Neste sentido, as salas tendem a formar subzonas e recantos mais íntimos, multiplicando-se os pequenos móveis e objectos, onde os biombos assumem particular significado, não só pela protecção contra as correntes de ar, como elementos de estruturação espacial.
Palácio Nacional de Sintra
Sala dos Cisnes, Casa de Jantar (atual Sala das Pegas), Gabinete de Trabalho, Sala de Despacho e quarto de El-Rei D. Luís I.
A presença dos interiores do Palácio Real de Sintra no álbum de aguarelas corresponde à opção de D. Luis e de Dona Maria Pia por este paço como residência de recreio da Família Real, em desfavor de outros palácios com Queluz ou Mafra. A escolha respondia ao gosto romântico mais perto de memórias medievais, caçadas e de uma natureza exuberante que, ainda hoje, caracteriza o ambiente de Sintra. Como verificamos na Ajuda as representações são feitas não por salas na sua representação geral, mas por recantos do palácio marcados por momentos do quotidiano do rei e do seu dia-a-dia. Digno de nota é o arranjo da Sala dos Cisnes. Apesar das enormes proporções o Arq. Possidónio da Silva, com a colaboração, sem dúvida, da rainha Maria Pia, conseguem conceber um espaço onde se associam valores cenográficos de aparato representação com conforto e descontracção.
Palácio da Cidadela de Cascais
Varanda, Sala e Sala Árabe, Sala de Bilhar, e Quarto de D. Luis I.
A presença dos interiores da cidadela de Cascais, corresponde, sem dúvida, às ligações afectivas de D. Maria Pia e de D. Luis a este lugar, onde vinham, com os filhos os infantes D. Carlos e D. Afonso, passar a época balnear. Na realidade em 1870 D. Luis decide mandar adaptar a antiga residência do governador da Cidadela de Cascais, para residência, elegendo esta vila como lugar privilegiado de veraneio não só da família real como da corte e das elites. A cargo Possidónio da Silva, as aguarelas contrastam com os ambientes da Ajuda, marcados por cores escuras e fortes, verificando-se aqui uma forte presença de brancos e um ambiente leve e descontraído.
Nota:
No seu percurso o álbum foi herdado por D. Carlos e depois por D. Manuel II, que o conservou no Palácio das Necessidades. Na implantação da República o álbum acompanhou o rei na sua residência em Fulwell Park em Inglaterra. Por morte de D. Manuel II, o álbum ficou na posse da rainha Augusta Vitória, cujos herdeiros o venderam em leilão em Junho de 1989, tendo sido, nessa data, adquirido pelo Palácio Nacional da Ajuda.