Estudo de reconstituição da casa sede da Fazenda Santa Mônica, edifício assobradado e de grandes proporções, construído à margem do rio Paraíba do Sul, que pertenceu à família Nogueira da Gama. Contou-se com registros fotográficos, relatórios técnicos do Iphan e documentação da reforma pela Astorga Arquitetura.
Enquadramento Histórico e Paisagístico
Situada na antiga freguesia de Nossa Senhora da Glória, município de Valença, no Rio de Janeiro, a fazenda continha cerca de 580 alqueires de terras e fazia fronteira com as fazendas do Paraíso, Sant’Anna e da Concórdia. A casa sede foi construída por volta de 1831 pelo futuro marquês de Baependy (1826-1847), Manoel Jacinto Nogueira da Gama, através das sesmarias concedidas de D. João VI em 1814.
A casa foi edificada à frente de um grande platô onde, originalmente, ficavam as construções de apoio. O terreno é marcado pelo escalonamento, com muros de contenção de pedra, paralelos à fachada lateral esquerda da casa. Possui diante da fachada principal, um jardim gramado com formas geométricas e palmeiras imperiais, além de árvores de médio e grande porte e, no pátio dos fundos, um gramado.
Morfologia e Composição
Edificada por paredes em alvenaria de pedra no pavimento inferior e pau a pique no pavimento superior, a casa é estruturada em terreno plano e sem limites de vizinhanças. Possui planta em formato de “U” que forma um pátio aberto, sequência de janelas nas fachadas e com feição que revela uma transição entre o colonial e o neoclássico. Apresenta ainda na fachada uma varanda sustentada por quatro colunas metálicas e um gradil em rendilhado de ferro fundido.
Fachada
A fachada principal possui os vãos de esquadrias em simetria e ritmados entre os pavimentos. É demarcada por três portas cobertas por uma varanda; no pavimento superior as portas são em verga reta alinhadas com as do piso inferior, tendo a porta central em arco abatido, com cercaduras e esquadrias de duas folhas. Todos os vãos externos, à exceção deste principal, apresentam vergas retas. Além dessas, outras portas se encontram na fachada principal, entre elas a que dá acesso à antiga capela, ao lado esquerdo da fachada, sendo esta mais larga que as outras três.
Pormenores
Nas fachadas há elementos característicos como beiral, cunhal, cimalha, frisos e embasamento com chapisco. Sustentada por quatro colunas metálicas, a varanda é decorada por um gradil em rendilhado de ferro fundido onde havia a presença de pináculo e uma haste da bandeira que hoje não se encontram mais. Janela com duas folhas externas de abrir, com almofadas e molduras de madeira. Janela com gradil externo em ferro. Elementos construtivos da calçada que percorrem toda a casa sede.
Elementos de Composição, Portas e Portais
A entrada principal da fazenda se dá por um dos acessos dos fundos, possivelmente por ter sido construída próxima a uma estrada primitiva. A fachada principal é marcada por três aberturas centralizadas, ao meio está a única porta com verga em arco abatido da edificação, com cercaduras e esquadrias de duas folhas que levam à escadaria existente no interior da casa. Outras três portas de folhas de abrir externas em veneziana da fachada, no pavimento superior, dão acesso a uma varanda. Além destas, outras portas se apresentam pela fachada que atendiam aos antigos usos, ambas com folhas de abrir em madeira cega, como a abertura mais larga que dava acesso à capela. Na fachada lateral, duas portas cocheiras são acessadas por uma rampa. Outros pórticos de acesso também se apresentam por meio de um portão e arco em ferro fundido.
Programa Interior
Segundo o IPHAN: Volume em "U", formado pelo pátio interno, a planta é típica da arquitetura praticada no século XIX para a zona rural, separando e isolando as diversas áreas de distribuição de uso. Assim no primeiro piso, além do vestíbulo de acesso ao sobrado, encontram-se as áreas de serviço, com depósitos, despensas e cozinhas, junto a essa o acesso de serviço ao segundo piso. O vestíbulo tem tratamento próprio das áreas sociais, onde se encontram os melhores acabamentos, aqui ainda marcando o centro da edificação, bem ao gosto clássico com a elegante escada de acesso iluminada por claraboia demarcando e destacando esse nobre cômodo. No sobrado, à frente, as salas de estar, receber, música, jantar, escritório e quartos para hospedagem, comuns no programa rural. A sala central abre-se para sacada com guarda corpo de ferro que compõe, com a porta principal do primeiro piso, o eixo da composição. Em cada lateral que se desenvolve formando o pátio interno, estão os quartos de dormir e a área íntima da família.
Um conjunto de 10 Registros Estereoscópicos, por Marc Ferrez, registra a casa sede da fazenda Santa Mônica por ocasião da inauguração festiva da igreja, a 14 de fevereiro de 1881, com a presença do imperador, a convite do futuro barão de Santa Monica. Observa-se nos registros fotográficos da sala de visita, os retratos pintados da duquesa de Caxias e dos marqueses de Baependi, como os retratos dos imperadores na sala destinada à imperatriz.
Jardim e Horto
Na fachada posterior um gramado cria formas geométricas por meio de vias de circulação de pedestre e abriga em seu espaço palmeiras imperiais e árvores de médio e grande porte. A casa também abriga um pátio aberto aos fundos revestido por um gramado e uma arborização com presença considerável criando um sombreamento na fachada.
Documentação
Vista e planta da Santa Mônica. Alemão, Francisco Freire, 1797-1874. Feito em 15 de maio de 1862.
ALEMÃO, Francisco Freire. [Vistas e planta da Fazenda Santa Mônica de propriedade da marquesa de Baependi]. [S.l.: s.n.], 14 - 15 maio 1862. 4 p. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mss1449340/mss1449340.pdf. Acesso em: 26 fev. 2021.
Retrato de Manuel Jacinto Nogueira da Gama, Primeiro Marquês de Baependi, e sua esposa Francisca Mônica Carneiro da Costa, Marquesa de Baependi. Pintura de Claude Joseph Barandier, 1826.
Litografia do marquês do Bapendi de Sébastien Auguste Sisson, 1858.
Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama.
Fotografias da Fazenda Santa Mônica retiradas do livro "Valença de Ontem e de Hoje" de Leoni Iório.
Bibliografia
Almanak administrativo, mercantil e industrial do Rio de Janeiro. 1882
ALVARENGA, Felipe de Melo. De terras indígenas à princesa da serra fluminense: O processo de realização da propriedade cafeeira em Valença (província do Rio de Janeiro, século XIX). Paco e Littera, 2019.
ALVES, Daiane de Souza. A fazenda imperial: a trajetória política de Manoel Jacinto Nogueira da Gama. Juiz de Fora: Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos, 2018.
Diário do Rio de Janeiro. 1876
Gazeta da Tarde (RJ), 1885
Inventário do Barão de Juparanã. Museu da Justiça, Rio de Janeiro.
Inventário do IPHAN
IÓRIO, Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Valença, Companhia Dias Cardoso, Juiz de Fora, 1952.
ROCHA, Justiniano José da. Biografia de Manoel Jacinto Nogueira da Gama Marquês de Baependi. Rio de Janeiro. Tipografia Universal de Laemmert. 1851.
Testamento do Barão de Juparanã e escritura de hipoteca do Barão de Santa Mônica. Typ. de Santa Rosa. 2ª edição. Freguezia de Santa Thereza, 1885.
Cronologia e Proprietários
A Fazenda Santa Mônica é um dos maiores casarões, com 3.048m2, 65 compartimentos, 97 janelas, 62 portas e seis escadas, possuindo ao redor de 700 escravos e, na época de sua hipoteca, 167 escravos. O primeiro proprietário foi Manoel Jacinto Nogueira da Gama, o marquês de Baependy, e sua construção se deu a partir das sesmarias recebidas por D. João VI, a sesmaria de São Brás do Paraíso (1792) - a mais antiga de Valença - e a sesmaria de Santa Mônica (1814). O nome da fazenda foi em homenagem a sua esposa, a marquesa de Baependi, Dona Francisca Mônica Carneiro da Costa e Gama, filha dos Barões de Santa Mônica. Sua construção se dá, provavelmente, em torno de 1831, até que em 1884 é hipotecada, transferida ao Banco do Brasil, e mais tarde adquirida pelo Governo Federal e absolvida pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em 1975, tornando-se o “Campo Experimental Fazenda Santa Mônica”, do CNPGL (Centro Nacional de Pesquisa Agropecuária de Gado Leiteiro) até os dias de hoje.
1792 - Adquirida a sesmaria de São Brás do Paraíso, a mais antiga de Valença por Manoel Jacinto Nogueira da Gama, futuro Marquês de Baependi.
1814 - Adquirida a sesmaria de Santa Mônica.
1831 - Provável início da construção do casarão.
1848 - Com a morte do Marquês de Baependi, a fazenda se torna propriedade de Dona Francisca Mônica Carneiro da Costa e Gama, a marquesa de Baependi.
1848 - Visita do Imperador D. Pedro II a fazenda.
1865 - Visita do Imperador D. Pedro II a fazenda em razão da inauguração do túnel e da ponte do Desengano.
1869 - Com a morte da marquesa de Baependi, a fazenda se tornou propriedade de Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama, futuro barão de Juparanã, em sociedade com Francisco Nicolau Nogueira da Gama.
1876 - Visita do Imperador D. Pedro II a Duque de Caxias na fazenda, em 20 de março. Falecimento do Barão de Juparanã em 25 de junho. A fazenda se tornou propriedade de Francisco Nicolau Nogueira da Gama.
1881 - Visita do Imperador D. Pedro II para a inauguração da Igreja Nossa Senhora do Patrocínio.
1884 - A fazenda é hipotecada ao Visconde de Ururay.
1885 - Falecimento de Francisco Nicolau e a fazenda é transferida para o Banco do Brasil.
1912 - Adquirida pelo Ministério da Agricultura.
1973 - Tombamento pelo IPHAN
1975 - Absolvida pela EMBRAPA e tornou-se o “Campo Experimental Fazenda Santa Mônica”, do CNPGL (Centro Nacional de Pesquisa Agropecuária de Gado Leiteiro).
Manoel Jacinto Nogueira da Gama
Manoel Jacinto Nogueira da Gama (1765-1847) nasceu em São João del Rey. Era filho de Nicolau Antônio Nogueira e D. Anna Joaquina de Almeida e Gama, e irmão de Antonio Joaquim Nogueira da Gama.
Em Portugal, participou de reformas e modernização do Estado, estudou nas faculdades de filosofia e de matemática na Universidade de Coimbra e exerceu por dez anos o professorado de matemática da Academia Real de Marinha em Lisboa. Tornou-se então 1º tenente de marinha (1793), capitão-tenente (1796) e capitão de fragata (1798); além de cavaleiro de São Bento de Avis (1795).
Ao retornar para o Brasil, foi inspetor geral das nitreiras e fábrica da pólvora, deputado da junta da Real Fazenda e secretário do governo de Minas Gerais; ajudante do intendente geral das minas e metais do reino na casa da moeda, se tornando inspetor; foi escrivão do Erário Régio no Rio de Janeiro, a partir da chegada da Corte ao Brasil até 1821. Foi promovido a coronel do corpo de Engenheiros; agraciado Comendador de Avis, obteve o título do conselho e o foro de fidalgo cavaleiro.
Em 1821, foi nomeado secretário e deputado geral pelo Rio de Janeiro, passando a ter exercício no conselho da Fazenda, depois ministro da Fazenda (novamente em 1826) e presidente do tesouro público. Também foi conselheiro de estado e um dos signatários da Constituição brasileira de 1824, sendo condecorado com a dignitária da ordem imperial do Cruzeiro. No entanto, foi processado pela Câmara dos Deputados por esbanjamento de dinheiro público do Real Erário.
Em 1825 e 1826, recebeu os títulos de visconde e marquês de Baependi, respectivamente. Ainda, em 1826, tornou- se senador de Minas Gerais e, em 1837, vice-presidente do senado, e presidente no ano seguinte. Recebeu de D. Pedro II a Grão Cruz da Ordem da Rosa, dignitário da Ordem do Cruzeiro, e comendador da Ordem de São Bento de Avis. Faleceu aos 81 anos no Rio de Janeiro, cujo corpo foi sepultado nos jazigos da ordem terceira de São Francisco de Paula.
Francisca Mônica Carneiro da Costa e Gama
Francisca Mônica Carneiro da Costa e Gama (xxxx-1869), filha do coronel Braz Carneiro Leão e de Ana Francisca Rosa Maciel da Costa (baronesa de São Salvador de Campos dos Goytacazes). Casou-se em 5 de Agosto de 1809 com Manoel Jacinto Nogueira da Gama (Marquês de Baependi), com quem teve três filhos, Brás Carneiro Nogueira da Costa e Gama (visconde de Baependi), Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama (barão de Juparanã) e Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama (barão de Santa Mônica e genro de Duque de Caxias).
Marquesa de Baependi e dama honorária de Sua Majestade a Imperatriz, doou 30:000$ para a construção da estação do Desengano, a qual recebeu visita do Imperador em sua inauguração. Após a morte de seu marido, assumiu a administração da fazenda Santa Mônica que possuía 6.846.920 braças quadradas de terras. Ao falecer foi sepultada no cemitério de São Francisco de Paula.
Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama
Nascido no Rio de Janeiro, Manuel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama (1830-1876), futuro Barão de Juparanã, foi presidente da Câmara Municipal de Valença nos anos de 1869 e 1872, foi deputado na assembleia provincial do Rio de Janeiro em 1858, coronel-comandante superior da Guarda Nacional e “moço fidalgo” com exercício na casa imperial, veador de Sua Magestade a Imperatriz e oficial da Imperial Ordem da Rosa.
Recebeu o título de barão por decreto, em 1874 em homenagem ao distrito onde se situava a Fazenda Santa Mônica, herdado pelos pais e em sociedade com seu irmão Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama, futuro Barão de Santa Mônica.
Foi o fundador da Igreja Nossa Senhora do Patrocínio, inaugurada após sua morte em 1881 e cuja obra custou 100:000$000 sob a direção do Coronel de Engenharia José Joaquim de Lima e Silva, no qual deixou em seu testamento todas as propriedades que possuía na povoação do Desengano para a igreja. Além disso, deixou edifícios para a província do Rio de Janeiro, para que fossem criadas escolas. Libertou 56 escravos em seu testamento, sendo seus escravos restantes junto com as terras da fazenda Sant’Anna divididos entre seus protegidos, pois apesar de falecer solteiro, teve 24 filhos com escravas.
Irmão da Ordem Terceira dos Meninos de São Francisco de Paula e de outras irmandades, faleceu solteiro no município de Valença em 1876.
Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama
Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama, fazendeiro na região de Desengano, em Valença, nasceu em 1832. Casou-se com sua prima, Luiza do Loreto de Lima Nogueira da Gama, filha de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, com quem teve dez filhos, cinco falecidos quando crianças.
Foi deputado provincial, comendador das ordens de Nosso Senhor Jesus Cristo do Brasil e de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Portugal, e Cavaleiro comendador da ordem de São Gregório Magno, de Roma. Moço fidalgo da casa imperial, foi veador de Sua Magestade a Imperatriz, acompanhando o imperador em algumas viagens.
Em 1882, recebeu por decreto o título de 1º barão de Barão de Santa Mônica com grandeza, em homenagem a sua fazenda Santa Mônica. Foi também proprietário da fazenda Concórdia e do palacete na rua Conde de Bonfim, 18, a casa onde viveu o Duque de Caxias. Ambos, o palacete e a fazenda Santa Mônica, foram hipotecados por conta de dívidas, no valor de Cr$ 436.315,60 ao Visconde de Ururay, dentre outros credores. Faleceu aos 53 anos, em outubro de 1885, em Caxambú, Minas Gerais, e sepultado no cemitério de São Francisco de Paula, em Catumbi.
Observações
Coordenação: Ana Pessoa (FCRB)
Pesquisa e Edição de imagem: Sávia Pontes Paz (Pibic/FCRB) e Louhana Oliveira (Pibic/FCRB)
Colaboração: Jorge Alfonso Astorga Garro
Fotografias: Mário Pinheiro [Fachada]
Ver Conjunto de 10 registros estereoscópicos, por Marc Ferrez.