Apresentação
Pela sua excepcional colecção azulejar, as escadarias nobres do Palácio dos Marqueses de Minas constituem um caso exemplar da arquitectura portuguesa. Esta peculiaridade advém não só da qualidade pictórica da azulejaria que mostra um raro naturalismo e vivacidade, mas sobretudo da sua qualidade arquitectónica que se manifesta aqui por uma sábia integração espacial, impondo ritmos ao percurso das escadas e onde elementos arquitectónicos pilastras, frisos, molduras, balaustres, rodapés assumem papel preponderante.
Arquitectura e enquadramento urbano
O Palácio dos Marqueses das Minas representa um exemplar da arquitectura civil residencial, barroca, ligado interiormente a um outro palácio da mesma época, ambos de planta rectangular irregular. A fachada principal encontra-se voltada para a Rua da Rosa, uma das principais artérias do Bairro Alto. Constitui um todo com o edifício que lhe fica à direita, que foi propriedade dos Leitão de Andrade, que se pode verificar na lápide foreira na parede da sua fachada principal. Embora ligados interiormente, contudo exteriormente os edifícios mantém a sua individualidade. No interior de ambos os edifícios a organização espacial é estabelecida em função do vestíbulo, rectangular e disposto transversalmente à fachada principal, a partir do qual se desenvolve as escadarias de lances rectos com patamares intermédios, acedendo aos vários pisos.
Como muitos outros casos da nossa historiografia, tudo indica que esta família nunca aqui viveu, morando sim, também no Bairro Alto, mas na rua dos Mouros [1]. Neste sentido o inventário realizado, em 1768 Marquês das Minas [e conde do Prado], D. António Luís Caetano de Sousa.
[1] TT, Orfanológicos, Letra M, maço 113, Nº 7(A). Inventário dos bens que ficarão do Excelentíssimo Marquês das Minas [e conde do Prado], D. António Luís Caetano de Sousa, que se continuou com a viúva, sua mulher, a Excelentíssima Marquesa das Minas D. Luísa de Noronha.
P.M.P. Sobre autoria e atribuição
Esta excecpional decoração azulejar das escadarias nobres do Palácio dos Marqueses de Minas é atribuída ao mestre P.M.P.
O mestre P.M.P. é um dos maiores enigmas da pintura azulejar portuguesa de setecentos, onde encontramos um vastíssimo ciclo de obras por todo o país assinadas com as suas iniciais. Ocorrem inúmeras possibilidades ou teorias sobre a sua identidade, contudo, a teoria ou proposta mais sugestiva é a defendida por Luísa Arruda, que liga a misteriosa sigla P.M.P ao arquitecto – decorador oratoriano e Capelão da Rainha, Padre Manuel Pereira.
Esta proposta necessita de um estudo e investigação mais aprofundada, contudo, verifica - se num documento de 1704 onde mostra o Padre - Arquitecto associado a um ladrilhador, António Antunes, e um outro documento, de 1707, em que o refere associado ao pintor de azulejos Dionísio Pacheco, o que evidencia a sua ligação à arte azulejar.
Sendo ainda hoje a sua identificação problemática este artista revela face a toda a produção azulejar setecentista uma originalidade e naturalismo que o coloca num estilo muito pessoal e livre. O mestre P.M.P demonstra uma certa ingenuidade no desenho com uma notável sensibilidade arquitectónica que confere aos seus trabalhos uma adequação ou diálogo com a arquitectura onde os elementos arquitectónicos assumem um protagonismo.
Pormenor de figura de convite no pátio do antigo palácio dos Cabedos, em Setubal. Escadarias do Palácio Centeno, em Lisboa. Pormenor de painel de azulejos da sala dos brasões, em Sintra.
Programa espacial e azulejar
No seu programa espacial as escadarias desenvolvem-se em L, com um primeiro lance que, iniciando-se num pequeno patamar na sequência do vestíbulo de entrada, termina num 2º patamar. Este patamar dá acesso por sua vez a um segundo lance de escadas que, por sua vez, termina no piso nobre. Os azulejos que compõem o silhar foram cortados em losangos de forma a acompanhar o ritmo diagonal ascendente / descendente da escadaria, e o espaço triangular formado pelo ângulo dos degraus é preenchido com azulejo esponjado, azul e branco, imitando cantaria.
Entrada e 1º patamar
O vestíbulo com silhares (8 azulejos de altura), de temática de albarradas, surgindo cestos de flores ladeados por figuras infantis sustentando cestos de flores à cabeça, com enrolamentos de folhagem na barra e palmetas de canto. O patamar de acesso à escada, tem um painel fazendo canto (10 x 18), de composição figurativa, com caça ao javali, barra horizontalmente de enrolamentos de folhagem, anjos alados e leões, e, verticalmente atlantes com urna à cabeça.
1º lance
O sentido naturalista e narrativo do artista revela-se no primeiro lance onde de cada lado se perfila um pedinte e um cego. Nos dois painéis do primeiro lance de escadas, surgem, mendigos, no da esquerda, um cego, acompanhado por outra personagem, no da direita uma mulher idosa com duas crianças.
O patamar e lanços da escada têm silhar organizado em 6 painéis (10 azulejos de altura), correspondentes aos espaços em que se subdivide a escadaria (um patamar com 2 paredes e 2 lanços, cada um com 2 paredes), cuja temática representa balaustrada por trás da qual se encontram as mais diversas figuras: nobres e damas, figuras infantis, macacos, cães, gatos, pássaros e figuras humanas caricaturais; os balaústres são intercalados, de 3 em 3, por pilastras decoradas com enrolamentos de acanto, coroadas por jarros em azulejo recortado.
No 1º lanço a parede à esquerda de quem sobe, tem duas figuras masculinas representadas de modo caricatural, e a da direita três figuras também representadas de modo caricatural e pássaro a voar; este silhar tem por cima um corrimão de madeira, aparafusado nos próprios azulejos;
O patamar de acesso ao 2º lanço tem, de um lado, duas figuras infantis masculinas, cão, papagaio no poleiro e papagaio no chão, e do outro, dama com leque e penteado de fontange e fidalgo com chapéu.
2º patamar
Neste patamar assim em como em todos os espaços desta escadaria, verificamos uma vez mais, as características mais peculiares do mestre P.M.P, além da ingenuidade do desenho, uma notável sensibilidade arquitectónica que confere aos seus trabalhos, onde se verifica um ritmo e cadencia no percurso das escadas.
Destaca-se neste patamar, no painel à esquerda, figuras alusivas a uma situação de entrada, onde se verifica uma criança que espreita um cão de raça com uma coleira e guiso, que ladra.
Painel da frente
2º lance lado esquerdo
No 2º e último lance das escadas vamos encontrar os dois painéis de maiores dimensões do conjunto. A originalidade e a liberdade do desenho transmite uma animação a este conjunto. Encontramos mais uma vez a grande sensibilidade arquitectónica no trabalho deste grande mestre da azulejaria portuguesa, onde se verifica o enquadramento arquitectónico dos elementos e o ritmo que impõe ao percurso da escada.
O 2º lance tem à esquerda cão, figura de africano com cesto de cerejas, gato e gaiola com pássaro, apresentando-se o silhar cortado na parte que abrangia a parede do 3º patamar para aí se abrir uma porta de ligação com o segundo edifício.
2º lance lado direito
Patamar do piso nobre
Animais domésticos
Pássaros
Distribuindo-se ao longo das paredes, mas sempre num plano recuado em relação aos balaustres recortam-se várias figurações representativas de aves, domésticas e exóticas. Desta forma, vamos encontrar numa gaiola um pequeno pássaro, um papagaio, um pavão (acentua a técnica de exotismo), e pássaros em liberdade.
Cães e carneiros
Estão representados nos painéis de ambos os lados, animas, em correspondência alternada, dois cães e dois gatos, domésticos e vadios.
Neste exemplo, verificamos uma série de raças de cães e um carneiro, contudo pretende- se dar enfase às raças de cães representados nestes painéis. Verificamos neles, um toque mais pitoresco e narrativo que caricatural.
Gatos, e o macaco
A sequência de animais é ainda completada por dois gatos, um macaco e borboletas.
Bibliografia
ARRUDA, Luisa, ”Figuras de Convite”, Azulejaria Barroca Portuguesa, Lisboa, 1993, p.92.
MECO, José, Azulejaria Portuguesa, Livraria Bertrand, Lisboa, 1986.
MECO, José, O Azulejo em Portugal, Publicações Alfa, Lisboa, 1989, p.52.
MECO, José, O Azulejo em Portugal, 2ª ed., Lisboa, Publ. Alfa, 1993, p.227.
MECO, José, A Azulejaria barroca e a Invenção do Espaço, Lisboa, 2009, p.130.
PAIS, Alexandre, “O Espólio azulejar nos palácios e conventos da Misericórdia de Lisboa” in Património Arquitectónico Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 2006, pp.136-161