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    Chaise-longue do Museu Histórico Nacional-RJ

    Chaise-longue do Museu Histórico Nacional-RJ
    Brazil
    XIX

     

     

    Identificação

    Chaise-longue do Museu Histórico Nacional-RJ

    Equipamento de assento, em madeira maciça laqueada na cor preta, com pinturas douradas em motivos vegetalistas e em chinoiserie, com predomínio do vocabulário rococó.

    Proprietário: Museu Histórico Nacional

    Número de Inventário: Dossiê SIGA 728

    Classificação: Mobiliário de assento e repouso

    Denominação: Chaise-longue

    Local de Produção: França

    Autoria: Desconhecida

    Datação:  Século XIX (1840 – 1860)

    Estilo: Segundo Império – Neo-rococó

    Materiais: Madeira europeia pintada com técnica de charão, pó de ouro e palhinha natural

    Técnicas decorativas: Formas esculpidas e recortadas, policromia, charão e trançado

    Dimensões: altura – 96cm; profundidade – 54cm; largura – 154cm.

    Localização: Museu Histórico Nacional; Sala “A Construção do Estado Nacional”

     

     

     

    Genealogia do Equipamento

    Aquisição: Doação

    Proprietários: Arnaldo Guinle

    Localização atual: Sala de Exposição

    Menções e referências: Faz conjunto com as cadeiras de braço SIGA 729, SIGA 730 e cadeira SIGA 1389. Nos dossiês desses equipamentos aparece menção a Duque de Caxias.

     

     

     

    Imagens

        

    Frente  -  Lateral Esquerda  -  Lateral Direita

      

    Espaldar  -  Braço direito

    Braço traseiro

        

    Pernas  -  Pé

    cintura

     

     

     

    Técnicas construtivas

    Madeira laqueada de preto em técnica de charão, com pintura em pó de ouro. Também há uso da técnica de trançado de palhinha para o assento. O equipamento, com exceção das pernas dianteiras, é de marcenaria recortada. Somente nas pernas dianteiras é aplicada técnica de escultura.

        

    Cachaço recortado em curvas e contracurvas que se conectam aos esteiros através de encaixe tipo macho-fêmea.

    Espaldar localizado na extremidade esquerda do equipamento, em formato oval, composto por dois esteios curvos, de seção retangular, que se estrangulam para alçar as pernas traseiras, com concavidade ligeiramente inclinada para trás. Tabela central recortada em curvas, com medalhão central elíptico, inscrito em fina moldura elíptica, e complementada por curvas em C, simetricamente opostas

    Tabela vazada, circundando medalhão.

    Medalhão recortado em formato elíptico, oblongo, com curvas e contracurvas simétricas no topo e na base. Conjunto encaixado, tipo macho e fêmea, na trave inferior.

    Trave inferior de seção retangular, recortada em duas curvas em C que se apoiam sobre uma base curva maior, a qual se encaixa no conjunto que forma o espaldar.

      

          

    Partem do espaldar dois braços:  dianteiro e traseiro. O primeiro em forma de “S”, encaixado no suporte para braço que, sinuoso, termina apoiado na cintura do assento. O segundo é retilíneo, apoiado sobre a parte traseira da cintura, com coto (ou couto) sinuoso. Ambos com encaixe tipo espiga.

    Assento oblongo de formato sinuoso, assimétrico, arqueado nas extremidades. Na extremidade esquerda do móvel, na área da peseira, o arco é pleno. Na extremidade direita do equipamento, área do encosto, o arco é levemente abatido. Palhinha presa em chassi (ou enquadramento) de madeira. Enquadramento com duas traves perpendiculares aos eixos de comprimento do assento. Parte traseira retilínea, parte dianteira com arqueado reentrante.

    Cintura lisa, com parte dianteira em sinuosidades simétricas nas extremidades e arqueado curto ao centro com pintura de meio corpo de dois chineses.  Parte traseira reta.

        

    Pernas dianteiras esculpidas em formato cabriolé, de seção circular, com joelheiras lisas. Pernas traseiras levemente sinuosas e voltadas para trás, de seção retangular. Todas encaixadas tipo espiga na cintura, com fixação em técnica de assemblage. Pés dianteiros em seção circular, pés traseiros em seção retangular, ambos com rodízios.

     

     

     

     

    Técnicas decorativas

    Douramentos em motivos vegetalistas (folhas e flores), treliçados e de chinoiserie.

        

    Cachaço é decorado com folhas de acanto arredondadas, em curvas e contracurvas, notadamente de influência francesa

    Espaldar recebe folhas de acanto por vezes arrendondadas, noutras com gavinhas, que se desenvolvem em ramos que circundam o medalhão. Medalhão envolto por faixa dourada, com pintura de motivos em chinoiserie. Em acordo com outros objetos decorados a partir de interpretação ocidental sobre a vida chinesa, a cena contida no medalhão descreve paisagens orientais, com elementos arquitetônicos e figuras humanas.

            

    Braços decorados com motivos vegetalistas (ramagens de flores e folhas de acanto) apoiados sobre painel com demarcada sinuosidade, curvas e contracurvas recortadas, que circundam medalhão em formato elíptico com motivos em chinoiseire (paisagem campestre chinesa, presença de pagodes, além de navegações de estilo oriental). Braço dianteiro decorado com lança estilizada com folhas de acanto.

          

    Pernas dianteiras em cabriolet adornadas com lança, cuja haste recebe reticulado circular (na área dos joelhos) envolto por folhas de acanto, e ponta de lança ladeada por duas folhas de acanto. Cintura decorada com ramicelos dourados que margeiam pequena figura de dois homens chineses, ao centro. Pés em rodízio.

    Cintura decorada com ramicelos dourados que margeiam pequena figura de dois homens chineses, ao centro.

    Pés em rodízio.

    Assento em fibra natural de palhinha, com trama sextavada. 

    Cores: Preto, dourado, marrom (palhinha)

     

    Estado de Conservação

    Cor azul - Defeitos               Cor encarnada - falhas

            

    O estado de conservação desta peça é mediana. No chachaço e na aba são identificados desgastes na pintura, assim como no medalhão maior localizado abaixo do braço traseiro. As figuras dos pequenos homens aparecem sem definição dos traços fisionômicos. Partes das folhas e flores foram apagadas pela ação do tempo. Há partes lascadas em todo o móvel, especialmente na região da cintura. No trecho próximo ao couto,  parte da cintura descolou-se da estrutura.

     

     

    O MÓVEL EM QUESTÃO NO TEMPO

    E NO ESPAÇO

    Mesmo diante de alguns desgastes do tempo e do uso, a chaise-longue em questão ainda guarda uma imagem de requinte, com suas curvas e decoração, com acabamento de xarão negro e douração, ofertando um encanto visual que atrai o visitante pela sua carga ornamental e acabamento. Para os dias de hoje, é peça excêntrica, chamativa, quase um exagero, mas típica dos salões oitocentistas aburguesados, especialmente a partir de meados do século, tanto no Rio de Janeiro, capital do Império à época, quanto de países ditos civilizados, especialmente europeus.

    O referido móvel de descanso (fig. 1) é acompanhado por duas cadeiras simples que seguem a mesma decoração, sendo uma exposta no percurso museológico (fig. 2) e a outra armazenada na reserva técnica (Reg. 729).

       

    Figura 1Chaise-longue em madeira, palhinha, xarão e douração – c. 1840-60, França. Exposta na sala 7 do circuito museológico. Acervo do Museu Histórico Nacional. Reg. 728. Fotografia de Lucas Cavalcanti.

    Figura 2 – Cadeira em madeira, palhinha, xarão e douração. Uma de um par que forma conjunto com a chaise-longue – c. 1840/60, França. Acervo do Museu Histórico Nacional. Reg. 730. Fotografia de Lucas Cavalcanti.

    Diante das características releituras históricas de meados do século XIX, a junção de várias referências em um só móvel remete ao típico procedimento “Frankenstein” (Malta, 2009), que busca conciliar diferenças (de tempos e lugares distintos) em uma estrutura que procura inventar novas conformações, como o espaldar na quina do assento, gerando um estranhamento em relação aos formatos convencionais de cadeiras e canapés. Reconhece-se a origem das partes, mas o todo não remete a um modelo tradicional do passado, transformando-se em um híbrido entre canapé e chaise-longue.

    Como o modelo dessa chaise-longue, muitos assentos foram produzidos e se encontram em acervos de museus pelo mundo (figs. 3, 4 e 5), mostrando que obteve recepção considerável de consumidores endinheirados e que ainda merecem ser preservadas como registros de estéticas e tecnologias, gostos e modos ornamentais do passado. Entretanto, por causa de sua fragilidade, poucos desses assentos sobreviveram, em especial chaise-longues com essa tipologia de decoração.

        

    Figura 3 – Cadeira em madeira laqueada, embutido em madrepérola e douração – França, c.1840-65. Musée des Arts Dédoratifs, Paris. Reg. 48966.

    Figura 4 – Canapé em madeira e papier-mâché, laqueada, com decoração pintada e em madrepérola embutida, estofamento e rodízios de latão – Inglaterra, c.1840-50. Victoria and Albert Museum, Londres. Reg.W.33-1953.

    Figura 5 – Cadeira de braço em gôndola, com pernas e cinturas em madeira e encosto e braços em papier-mâché, laqueado, embutido em madrepérola, douração e palhinha – França, c. 1850-65. Musée des Arts Dédoratifs, Paris. Reg. 48965.

    Muitos desses móveis lacados foram produzidos em papier-mâché, técnica desenvolvida no século XVIII, em Birmingham, por Henry Clay, mas que obteve considerável produção em meados do XIX. Contudo, modelos inteiramente em madeira ou combinados (estrutura em madeira e encosto/tampo em papier-mâché) também foram desenvolvidos, tanto na Inglaterra quanto na França, seguindo o gosto neo-rococó e um estilo decorativo particular com laqueado em preto, pintura policromada, incrustação de madrepérola e douração. Combinações entre flores, cenas e paisagens, folhagens e cercaduras em rocalha e os motivos em chinoiseries foram constantes.

    Curiosamente, os registros da chaise-longue do Museu Histórico Nacional fazem menção a Duque de Caxias e a Arnaldo Guinle como antigos proprietários, apesar de ser um móvel mais relacionado ao universo feminino. Num período em que a personalização era uma demanda incontornável, as diferenças de gênero eram fortemente marcadas na decoração de interiores e nos objetos no século XIX. O gosto rococó, com suas chinoiseries, bem como uma maior carga ornamental floral e dourada, foi admitida como mais condizente para as mulheres (fig.6), como a própria chaise-longue, que permitia um apoio ao corpo confortável e elegante para as horas de ócio doméstico.

    Figura 6 – Móveis em laqueado e com decorações chinoiseries presentes no universo feminino. John Atkinson Grimshaw. Summer (pormenor), 1875 - ost.

    Igualmente, o exotismo com referências ao Oriente obteve um vínculo ao feminino, sejam chinesas, indianas ou japonesas, cujos ornamentos delicados ou imbricados mantinham correspondências com aspectos de comportamentos e do vestuário das mulheres oitocentistas.

    No Museu Histórico Nacional, a chaise-longue em xarão encontra-se ao lado de um contador-secretária que pertenceu à princesa Isabel. Talvez por causa dessa situação, às vezes se atribui a propriedade da chaise-longue à princesa. Em inventários da família imperial até se encontram designações de móveis laqueados de preto, mas dificilmente pode-se comprovar as suspeitas. Um outro conjunto em estilo indiano que pertenceu ao Paço de São Cristóvão na época de D. Pedro II, também constante no acervo do Museu Histórico Nacional, possui uma chaise-longue (fig. 7) que bem poderia ter sido usada pela imperatriz Teresa Cristina para as horas de descanso.

    Figura 7 – Chaise-longue em madeira de teca escurecida, entalhada e estofada - (18--), Índia.  Acervo do Museu Histórico Nacional. Reg. 2969.

    Os dois modelos de chaise-longue se investem de exotismo e sobrecargas ornamentais, apropriados às mulheres e normalmente eram localizados em salas mais íntimas, longe dos salões em que imperava a formalidade no trato social e se faziam presentes canapé e cadeirões que impunham posturas mais contidas e acolhiam ambos os gêneros.

    Diversas representações de mulheres em pinturas, retratadas no interior de suas casas, típicas de fins do século XIX, recorrem à chaise-longue, desenvolvendo uma associação inevitável. Nos casos dos modelos mais rígidos, como o tratado neste estudo de caso, recorriam-se às almofadas para gerar um apoio mais confortável ao corpo. Nesses móveis, geralmente as moças apareciam relaxadas, entretidas em leituras ou trabalhos manuais, mas especialmente em estado de devaneio. Para além de um móvel requintado para o descanso feminino, a chaise-longue se transformava em um atrativo objeto do olhar, estimulando o imaginário das fantasias das donas e donzelas da época.

    Marize Malta

     

     

    Bibliografia

    CANTI, Tilde. O móvel do século XIX no Brasil. Rio de Janeiro: Cândido Guinle de Paula Machado, 1989.

    HONOUR, Hugh. Chinoiserie: the vision of Cathay. London: John Murray, 1961.

    DECQ, Louise et al. Black lacquered papier-mâché and turned wooden furniture: unravelling the art history, technology and chemistry of the 19th-Century japanning industry. Studies in Conservation, 64, sup.1, S31-S44, 2019.

    KATZ, Sylvia. Plastics. Common objects, classic designs. New York: Abrams, 1984.

    MALTA, Marize. Corpos estranhos: Frankenstein e o objeto eclético. In: VELLOSO, Mônica P.; ROUCHOU, Joele; OLIVEIRA, Claudia. (orgs). Corpo: identidades, memórias e subjetividades. Rio de Janeiro: Mauad X, Faperj; 2009, p. 167-180.

    MOUTINHO, Stella; DO PRADO, Rúbia; LONDRES, Ruth. Dicionário de artes decorativas & decoração de interiores. Rio de Janeiro: PVDI, 2005.

    MUSÉE DES ARTS DÉCORATIFS, Paris. Collections. Disponível em: http://collections.lesartdecoratifs.fr.

    OLIVEIRA, Octvaia Corrêa dos Santos. O néo rococó no Museu Histórico. In: Anais do Museu Histórico Nacional, vol XIII. Rio de Janeiro: MHN, 1952, p.119-141.

    VICTORIA & ALBERT MUSEUM, London. Search the collection. Disponível em: http://collections.vam.ac.uk.

     

     

    Autoria

    Lucas Elber de Souza Cavalcanti (bolsista PIBIC-UFRJ)

    Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marize Malta

     

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    PTCD/EAT-HAT/11229/2009

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